São Paulo, segunda-feira, 03 de dezembro de 2007

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GUILHERME WISNIK

Espaço que se conquista


Recém-inaugurado, o IAC dialoga com a dificuldade de se constituir espaços públicos abertos em cidades como SP

A CALÇADA da rua Maria Antonia, estreita e apinhada de gente durante o dia e a noite, ganha, a partir de agora, um surpreendente respiro: um alargamento que convida o pedestre a freqüentar o miolo da quadra, numa situação pouco comum em São Paulo.
Ali se dá o acesso a um novo museu: gratuito e com um acervo de excelente qualidade em vias de consolidação, centrado nas obras de Amilcar de Castro, Mira Schendel, Sergio Camargo e Willys de Castro. Trata-se do IAC (Instituto de Arte Contemporânea), que agora se instala no segundo piso do edifício Joaquim Nabuco (parte das instalações da antiga Faculdade de Filosofia da USP), cujo térreo será uma extensão da área expositiva do Centro Universitário Maria Antonia.
Inexpressivo arquitetonicamente, o edifício foi dotado de uma estrutura metálica nova preparada para suportar grandes cargas, ao mesmo tempo em que teve conservada a sua fachada art déco, de modo a evidenciar o fato de essa ter sido originalmente construída como um arremate falso às irregularidades internas da construção.
Mas esse alargamento do passeio no interior da quadra não pára no acesso ao prédio. Por uma passarela metálica, podemos cruzar o lote em sentido transversal até o seu limite, por sobre uma praça situada seis metros abaixo, e que se abre como uma generosa extensão do espaço público, isto é, das animadas calçadas por onde circulam estudantes do Mackenzie, da FAU Maranhão, usuários do variado comércio local e freqüentadores do Centro Maria Antonia, do Teatro da USP, do Sesc Anchieta ou do Senac, por exemplo.
Cruzando um vão de vinte metros, a passarela conduz a uma rampa em dois lances que define o muro de divisa dos fundos como um paredão de concreto aparente, dando uma espacialidade construída ao contorno do terreno. Conforma-se, assim, um novo recinto interno de caráter urbano, que surge da abertura e articulação de um antigo quintal de acesso restrito, cujos espaços eram residuais e descontínuos.
Essa praça, além de lugar de repouso ao ar livre servido por um café (ainda não instalado), dará acesso ao Tusp e a uma pequena sala de concertos, abrigada sob o largo de acesso junto à rua.
Premiado na 5ª Bienal de Arquitetura de São Paulo (2003), o projeto feito pelo Una Arquitetos, já parcialmente inaugurado, constrói um espaço público que se conquista lentamente, mediante um percurso que se desenvolve por 80 metros entre passarela e rampa, abraçando o terreno. Há aí um diálogo com a dificuldade de se constituir espaços públicos abertos em uma cidade como São Paulo, cada vez mais cercada e privativa.
Sem querer forçar a nota, é possível comparar essa dificuldade com a de cortar e dobrar uma chapa de ferro grossa, no caso das esculturas de Amilcar. Obras que formulam um modo particular de lidar com os nossos dilemas, rompendo, na resistência da matéria, com a profunda maleabilidade da sociedade brasileira. E cujo esforço é, no limite, o de ajudar a construir uma problemática, porém almejada, esfera pública.

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