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GUILHERME WISNIK
Espaço que se conquista
Recém-inaugurado, o IAC dialoga com a dificuldade de se constituir espaços públicos abertos em cidades como SP
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A CALÇADA da rua Maria Antonia, estreita e apinhada de
gente durante o dia e a noite,
ganha, a partir de agora, um surpreendente respiro: um alargamento que convida o pedestre a freqüentar o miolo da quadra, numa situação pouco comum em São Paulo.
Ali se dá o acesso a um novo museu: gratuito e com um acervo de excelente qualidade em vias de consolidação, centrado nas obras de Amilcar de Castro, Mira Schendel, Sergio
Camargo e Willys de Castro. Trata-se do IAC (Instituto de Arte Contemporânea), que agora se instala
no segundo piso do edifício Joaquim
Nabuco (parte das instalações da antiga Faculdade de Filosofia da USP),
cujo térreo será uma extensão da
área expositiva do Centro Universitário Maria Antonia.
Inexpressivo arquitetonicamente, o edifício foi dotado de uma estrutura metálica nova preparada para suportar grandes cargas, ao mesmo tempo em que teve conservada a
sua fachada art déco, de modo a evidenciar o fato de essa ter sido originalmente construída como um arremate falso às irregularidades internas da construção.
Mas esse alargamento do passeio
no interior da quadra não pára no
acesso ao prédio. Por uma passarela
metálica, podemos cruzar o lote em
sentido transversal até o seu limite,
por sobre uma praça situada seis
metros abaixo, e que se abre como
uma generosa extensão do espaço
público, isto é, das animadas calçadas por onde circulam estudantes
do Mackenzie, da FAU Maranhão,
usuários do variado comércio local e
freqüentadores do Centro Maria
Antonia, do Teatro da USP, do Sesc
Anchieta ou do Senac, por exemplo.
Cruzando um vão de vinte metros,
a passarela conduz a uma rampa em
dois lances que define o muro de divisa dos fundos como um paredão
de concreto aparente, dando uma
espacialidade construída ao contorno do terreno. Conforma-se, assim,
um novo recinto interno de caráter
urbano, que surge da abertura e articulação de um antigo quintal de
acesso restrito, cujos espaços eram
residuais e descontínuos.
Essa praça, além de lugar de repouso ao ar livre servido por um café
(ainda não instalado), dará acesso ao
Tusp e a uma pequena sala de concertos, abrigada sob o largo de acesso junto à rua.
Premiado na 5ª Bienal de Arquitetura de São Paulo (2003), o projeto
feito pelo Una Arquitetos, já parcialmente inaugurado, constrói um espaço público que se conquista lentamente, mediante um percurso que
se desenvolve por 80 metros entre
passarela e rampa, abraçando o terreno. Há aí um diálogo com a dificuldade de se constituir espaços públicos abertos em uma cidade como
São Paulo, cada vez mais cercada e
privativa.
Sem querer forçar a nota, é possível comparar essa dificuldade com a
de cortar e dobrar uma chapa de ferro grossa, no caso das esculturas de
Amilcar. Obras que formulam um
modo particular de lidar com os nossos dilemas, rompendo, na resistência da matéria, com a profunda maleabilidade da sociedade brasileira.
E cujo esforço é, no limite, o de ajudar a construir uma problemática,
porém almejada, esfera pública.
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