|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CULTURA DIGITAL
Overmundo, projeto de Hermano Vianna, levará à internet a produção das cinco regiões brasileiras
Antropólogo cria rede de difusão cultural
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Quando Gilberto Gil assumiu o
Ministério da Cultura, em 2003,
chamou Hermano Vianna para
conversar -o que continua fazendo, ainda que o antropólogo
seja um assessor informal e não-remunerado. Ouviu algo assim:
"O ministério não precisa produzir mais, as coisas já estão sendo
produzidas. Precisa é ligar".
Especialista em ligações culturais, Vianna lança em fevereiro
sua mais ambiciosa rede de conexões: o site Overmundo (www.
overmundo.com.br). São 27 correspondentes, um em cada Estado do país, escrevendo notas e reportagens sobre as respectivas
produções locais e atraindo colaboradores diversos para uma página que tem a descentralização
como idéia central.
"O Overmundo tenta atacar os
problemas da circulação da informação e da produção e incentivar
uma forma de reflexão sobre esses
problemas. Não é uma revista,
não é um banco de dados, não é a
solução. É um laboratório aberto
de criação de ferramentas para as
pessoas utilizarem", diz Vianna.
Inspirado em sites como o britânico Collective e o sul-coreano
OhmyNews, mas buscando um
modelo próprio, o Overmundo é
resultado das possibilidades oferecidas pela internet e das transformações em curso na produção
e transmissão de informações.
Assim, os correspondentes do
site não são exatamente repórteres, mas "animadores", na classificação de Vianna. São jornalistas
e também músicos e escritores,
dentre outros ofícios, que não
precisam escrever com a imparcialidade idealizada pela grande
imprensa. Em vez de editor-chefe,
o antropólogo é uma espécie de
animador geral que debate as decisões com todos os participantes.
"O que há de mais legal na internet foi produzido de forma coletiva com o objetivo de disponibilizar informação. Eu me sinto sempre em dívida, pois como eu já
usei o trabalho de outras pessoas,
que botaram informações e músicas de graça [na rede]! O Overmundo é uma forma de pagar um
pouco dessa dívida", afirma. "É
cafona dizer, mas as pessoas estão
dispostas a dedicar parte do seu
tempo ao bem comum. É generosidade intelectual mesmo."
Ou seja, além de tudo o que a
equipe do site botar no ar -incluindo agendas culturais alternativas das capitais-, o Overmundo pretende ser "uma comunidade de blogueiros", segundo Vianna. Hospedará páginas pessoais
ou de grupos, tentará aproximar
aqueles que têm o que trocar, mas
não se conhecem, e receberá colaborações em texto, áudio e vídeo.
"Todo mundo poderá escrever.
Bastará preencher um cadastro e
se submeter às regras que ainda
não estão definidas. E os textos serão editados coletivamente", diz.
No caso das músicas, todas as
que entrarem no site precisarão
estar sob o sistema Creative Commons. Ou seja, poderão ser baixadas por outros usuários e utilizadas do modo que determinar o tipo de licença que o autor escolher.
O Overmundo passará, portanto,
ao largo dos conceitos de direito
autoral e pirataria ainda em voga.
"Compare o número de artistas
contratados por uma grande gravadora com a produção de música que existe no país. É um funil,
então tem que escapar por um outro lado. Os fenômenos mais interessantes nos últimos anos foram
os grandes mercados de entretenimento popular, como o tecnobrega e o funk carioca, que não
dependem da grande mídia", diz
Vianna, um dos responsáveis pela
série "Mercadão", apresentada
por Regina Casé no "Fantástico".
Além de oferecer um contraponto às grandes gravadoras, o
Overmundo também pode mexer
com a imprensa cultural, cada vez
mais centralizada em Rio e São
Paulo, e exportando essas informações para os jornais de outros
Estados, que as compram em vez
de priorizar a produção regional.
"Não vai ter reação contrária
[da imprensa] porque ninguém
está cobrindo o que a gente está
cobrindo. Nosso foco é naquilo
que não está sendo divulgado."
Esse arco abrange desde um
mestre da guitarrada de Belém até
as novidades do rock independente, passando por manifestações indígenas e festejos carnavalescos desconhecidos.
Para batizar o site patrocinado
pela Petrobras, o antropólogo foi
buscar o título de um poema de
Murilo Mendes (1901-75), no qual
se fala de um "cavaleiro do mundo delirante/ Que anda, voa, está
em toda parte/ E não consegue
pousar em ponto algum". Do início dos anos 40, o poema funciona
como metáfora para a internet.
Se depender de Vianna, que sonha com uma página organizada
pelos próprios usuários, num futuro próximo outro verso se tornará verdade: "Overmundo expirou ao descobrir quem era".
Texto Anterior: Música: André Mehmari Trio leva "Lachrimae" ao Sesc Pinheiros Próximo Texto: Política cultural: Objetivo de documento é "cabeça" de Sá Leitão, diz cineasta Índice
|