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NINA HORTA
A comida do futuro (parte 2)
Primeiro sentimos um certo desaponto. Espuminhas? Pirulitos? Texturas enganosas?
NA ÚLTIMA crônica falamos
quais seriam as tendências
do alimento no futuro. E
lembramos de um livro recente,
"Meals to Come", de Warren Belasco, que num capítulo trata do assunto "feiras de alimentação", desconfiando que as tendências se mostram nelas, antes que o nosso prato
feito seja absorvido e aceito.
E o que observamos ultimamente? Primeiro, sentimos um certo desaponto. Espuminhas? Pirulitos?
Texturas enganosas? Cheiros que
são gostos, gostos que são cheiros?
Pelo menos os que freqüentam as
feiras voltam com essas novidades.
Jeitos diferentes de colocar a comida no prato, cozimentos a vácuo, 36
horas para cozinhar um ovo em vapores de termas japonesas, opalescentes bolas de açúcar transparente
guardando nossas sobremesas.
De vez em quando alguém inventa
comida de papel, feita no computador. Experimentamos, achamos interessante, os olhos brilham por um
minuto com um desvendar de possibilidades e sorrimos.
E a missão para Marte? E os robôs,
e a roupa de plástico brilhante? E os
fogões em que era só apertar um botão no escritório e, em casa, a sopa e
o pão se arrumavam sobre a mesa de
aço inoxidável?
E as pílulas, principalmente as pílulas, que facilidade, que comodidade, quanto tempo de sobra para lermos livros hipercoloridos de receitas!
Uhm, nada disso ou quase nada.
Nos anos 60, uns utensílios mais
afiados e bastante gente dizendo
que não queria usar poliéster, tirar
férias na Lua, ou tomar Tang, a bebida dos astronautas. Queriam macarrão fresco com azeite de oliva e manjericão.
Em 1990, percebeu-se que nem os
astronautas estavam a fim de Tang.
Levaram para as estrelas granola,
nozes, galinha à chinesa, foie gras,
peito de pato, comida kosher, arroz
ao curry, lasanha florentina, comida
mediterrânea e faziam toda a força
possível para baixarem do teto e se
sentarem em volta de uma mesa
com cadeiras, usando pratos e talheres.
A lição é que se deve ir devagar
com a louça. Já temos fazendas espertas, lojas, comidas, cozinhas modernas, mas tudo bem, sem pressa, é
preciso ver o que há de melhor nas
novidades, tentar guardar conosco
as individualidades, a diversidade, a
herança, a tradição.
Queremos controlar nossas mudanças. Prometemos experimentar
de tudo, mas escolher com responsabilidade.
Ótimo até que o fazendeiro fique
sentado (numa cadeira de balanço),
com seu laptop bem fininho no colo.
Mas extremamente sensível ao que
acontece à sua volta, ao seu chão,
procurando os nutrientes que ele
pede na telinha. Mas, de bigodão e
de botas, o laptop mostra, ele escolhe, envolvido, cada dia mais fazendeiro.
Danada, danadíssima, quem entendeu e aproveitou as duas vertentes da modernidade foi Martha Stewart, a cozinheira loura oxigenada,
de lábios manchados de leite puro
da vaca.
Empregou toda a mídia, moderna,
os livros, as revistas, a TV e a internet, para vender o que queria a nós,
consumidores esquizofrênicos.
Soube se dirigir à maioria que comia
de quentinha em frente à TV, mas
sonhava com pratos azuis e brancos
e talheres de prata com bom design.
Vamos querer sempre o melhor
de todos os mundos. No começo do
século nos encaminhávamos para
ser ETs. Não aconteceu. O futuro terá que servir a muitos, sem radicalismos.
Queremos as espumas com cheiro
de mar, a manga madura com umas
manchinhas pretas e muitas variedades, doces de abóbora em formato
de flor e chicletes de banana. Piabas
de riacho e ostras criadas. Nada do
que é comestível nos será estranho.
Mas pode deixar que nós mesmo escolhemos.
ninahorta@uol.com.br
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