São Paulo, quinta-feira, 04 de janeiro de 2007

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NINA HORTA

A comida do futuro (parte 2)

Primeiro sentimos um certo desaponto. Espuminhas? Pirulitos? Texturas enganosas?

NA ÚLTIMA crônica falamos quais seriam as tendências do alimento no futuro. E lembramos de um livro recente, "Meals to Come", de Warren Belasco, que num capítulo trata do assunto "feiras de alimentação", desconfiando que as tendências se mostram nelas, antes que o nosso prato feito seja absorvido e aceito.
E o que observamos ultimamente? Primeiro, sentimos um certo desaponto. Espuminhas? Pirulitos?
Texturas enganosas? Cheiros que são gostos, gostos que são cheiros?
Pelo menos os que freqüentam as feiras voltam com essas novidades.
Jeitos diferentes de colocar a comida no prato, cozimentos a vácuo, 36 horas para cozinhar um ovo em vapores de termas japonesas, opalescentes bolas de açúcar transparente guardando nossas sobremesas.
De vez em quando alguém inventa comida de papel, feita no computador. Experimentamos, achamos interessante, os olhos brilham por um minuto com um desvendar de possibilidades e sorrimos. E a missão para Marte? E os robôs, e a roupa de plástico brilhante? E os fogões em que era só apertar um botão no escritório e, em casa, a sopa e o pão se arrumavam sobre a mesa de aço inoxidável?
E as pílulas, principalmente as pílulas, que facilidade, que comodidade, quanto tempo de sobra para lermos livros hipercoloridos de receitas! Uhm, nada disso ou quase nada.
Nos anos 60, uns utensílios mais afiados e bastante gente dizendo que não queria usar poliéster, tirar férias na Lua, ou tomar Tang, a bebida dos astronautas. Queriam macarrão fresco com azeite de oliva e manjericão.
Em 1990, percebeu-se que nem os astronautas estavam a fim de Tang. Levaram para as estrelas granola, nozes, galinha à chinesa, foie gras, peito de pato, comida kosher, arroz ao curry, lasanha florentina, comida mediterrânea e faziam toda a força possível para baixarem do teto e se sentarem em volta de uma mesa com cadeiras, usando pratos e talheres.
A lição é que se deve ir devagar com a louça. Já temos fazendas espertas, lojas, comidas, cozinhas modernas, mas tudo bem, sem pressa, é preciso ver o que há de melhor nas novidades, tentar guardar conosco as individualidades, a diversidade, a herança, a tradição.
Queremos controlar nossas mudanças. Prometemos experimentar de tudo, mas escolher com responsabilidade.
Ótimo até que o fazendeiro fique sentado (numa cadeira de balanço), com seu laptop bem fininho no colo.
Mas extremamente sensível ao que acontece à sua volta, ao seu chão, procurando os nutrientes que ele pede na telinha. Mas, de bigodão e de botas, o laptop mostra, ele escolhe, envolvido, cada dia mais fazendeiro.
Danada, danadíssima, quem entendeu e aproveitou as duas vertentes da modernidade foi Martha Stewart, a cozinheira loura oxigenada, de lábios manchados de leite puro da vaca.
Empregou toda a mídia, moderna, os livros, as revistas, a TV e a internet, para vender o que queria a nós, consumidores esquizofrênicos.
Soube se dirigir à maioria que comia de quentinha em frente à TV, mas sonhava com pratos azuis e brancos e talheres de prata com bom design.
Vamos querer sempre o melhor de todos os mundos. No começo do século nos encaminhávamos para ser ETs. Não aconteceu. O futuro terá que servir a muitos, sem radicalismos.
Queremos as espumas com cheiro de mar, a manga madura com umas manchinhas pretas e muitas variedades, doces de abóbora em formato de flor e chicletes de banana. Piabas de riacho e ostras criadas. Nada do que é comestível nos será estranho. Mas pode deixar que nós mesmo escolhemos.


ninahorta@uol.com.br

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