São Paulo, sexta-feira, 04 de janeiro de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Um pouco da Operação Condor


Ela não foi mencionada entre as hipóteses que cercaram a morte de JK e Letelier, ligado a Allende

NA ITÁLIA , um juiz fez a Operação Condor voltar ao noticiário. Para quem acompanhou a série de reportagens do jornalista José Mitchell, no "Jornal do Brasil", em 2000, nada de novo está sendo revelado agora. Os militares brasileiros citados pelo magistrado italiano, em diferentes graus de responsabilidade, haviam sido arrolados entre as autoridades que de uma forma ou outra tiveram participação na "limpeza do terreno" feita pela operação em países do Cone Sul que estavam sob ditaduras de direita: Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai.
Situa-se o nascimento da Operação Condor em 28 de agosto de 1975, embora a gestação tenha começado nove meses antes, mas não de forma orgânica: foram movimentos isolados, de grupos autônomos, atiradores livres que se anteciparam ao mecanismo oficial das ditaduras e iniciaram o expurgo de elementos que ameaçavam a paz dos regimes totalitários naquela parte da América do Sul.
Naquela data (28 de agosto de 1975), o coronel Manuel Contreras Sepúlveda, chefe da Direção da Inteligência Nacional do Chile (Dina), subordinada à Presidência da República ocupada pelo general Augusto Pinochet, enviou ao general João Baptista de Oliveira Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações do Brasil (SNI) um ofício confidencial que pode ser considerado a certidão de nascimento da Operação Condor.
"Distinguido Senhor General, Recebi seu informe de 21 de agosto de 1975 e agradeço a oportuna e precisa informação, expressando minha satisfação por sua colaboração que devemos estreitar ainda mais. Em resposta, cumpre-me comunicar-lhe o seguinte: 1) Compartilho sua preocupação com o possível triunfo do Partido Democrático americano nas próximas eleições presidenciais. Também temos conhecimento do reiterado apoio dos democratas a Kubitschek e Letelier que no futuro poderia influenciar seriamente a estabilidade do Cone Sul do nosso hemisfério; 2) O plano proposto pelo senhor para coordenar nossa ação contra certas autoridades eclesiásticas e conhecidos políticos social-democráticos e democratas cristãos da América Latina e da Europa conta com o nosso decidido apoio."
O ofício contém mais dois parágrafos pontuais da situação que Contreras e Figueiredo temiam: "À medida que for nos chegando a informação relativa à atividade política dos liberados e suas eventuais ligações com os exilados brasileiros, logo lhe transmitiremos."
Onze meses depois, a 22 de agosto de 1976, num acidente da estrada Rio-São Paulo, morria Juscelino Kubitschek, um dos citados por Manuel Contreras no ofício a João Figueiredo. E um mês depois, a 21 de setembro do mesmo ano, em Washington, morria num atentado a bomba Orlando Letelier, que fez parte do governo de Salvador Allende, deposto pelo golpe militar de Pinochet. Tal como Kubitschek, fora também citado no ofício do chefe do Dina para o chefe do SNI.
O atentado de Washington foi apurado pelo FBI e incriminou o coronel Contreras, que cumpre pena de prisão perpétua no Chile.
A Operação Condor não foi mencionada entre as hipóteses que cercaram a morte de JK e Letelier. Tampouco foi lembrada em outros episódios da mesma época, como as mortes seguidas, do ex-presidente João Goulart, em dezembro de 1976, e do ex-governador Carlos Lacerda, em maio de 1977.
Quanto a Goulart, foi pedida mais tarde a exumação de seu corpo pelo juiz Juan Espinoza, do tribunal argentino de Curuzu Guatiá. O governo brasileiro mandou emissários para conversar com as autoridades argentinas, e a exumação não se realizou.
O eixo formado pela Dina e SNI deu apenas cobertura política e policial para a Operação Condor, que tratou de limpar o terreno horizontalmente, caçando o que se poderia classificar de "baixo clero" da contestação aos regimes militares do Cone Sul.
Mas a limpeza, no sentido vertical (JK? Jango? Lacerda?), incluiu certamente o general Carlos Prats, ex-comandante-em-chefe do Exército chileno ao tempo de Allende, vítima de uma bomba que o matou em Buenos Aires. Em igual contexto, foram mortos no Uruguai o senador Zelmar Michelini e o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Héctor Gutiérrez, suspeitos de envolvimento com os tupamaros.


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