São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Em nome da mãe

"Maysa - Quando Fala o Coração", minissérie sobre a vida turbulenta da cantora de "Meu Mundo Caiu", dirigida por seu filho, Jayme Monjardim, estreia amanhã na Globo

L. Alberto/ Reprodução do livro 'Maysa'
Maysa em intervalo da gravação da novela 'O Cafona', da TV Globo

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Jayme Monjardim, 53, é conhecido, entre outros trabalhos, pela direção inovadora na novela "Pantanal" e pelo filme "Olga". A partir de amanhã, será o filho da cantora Maysa.
Diretor da Globo, ele leva ao ar na emissora o grande projeto de sua vida: uma minissérie de nove capítulos sobre a turbulenta vida de sua mãe (1936-1977), estrela da música brasileira de carreira internacional, celebrizada pela interpretação de "Meu Mundo Caiu", entre outros grandes sucessos do samba-canção e da bossa nova.
Fora dos palcos, sua vida foi marcada por atitudes controversas, paixões polêmicas, abuso de álcool, de moderadores de apetite e tentativas de suicídio. Morreu aos 40, em um acidente de carro na ponte Rio-Niterói.
Monjardim tinha apenas dois anos quando Maysa se separou de seu pai, o bilionário André Matarazzo, e foi deixado na casa de avós, sendo criado por uma empregada. Aos seis, quando o pai morreu, o "jogaram" em um colégio interno na Espanha por quase dez anos.
Uma cena criada pelo autor da minissérie, Manoel Carlos (leia entrevista à pág. E3), tenta resumir o sofrimento e a sensação de abandono: em uma rara visita ao internato, Maysa se depara com o filho pequeno doente e diz que não irá beijá-lo para não correr o risco de se resfriar e prejudicar sua voz. Monjardim, que diz nunca ter feito análise, contou à Folha como se manteve "congelado" ao rever -e dirigir- cenas tão dramáticas de seu passado.

 

FILHO X DIRETOR
Consegui separar o filho do diretor, ter um distanciamento suficiente para não sofrer ou me emocionar. Sem isso, não poderia ter feito esse trabalho.
Já imaginou gravar essa cena [em que Maysa não beija Monjardim no internato] e começar a chorar? Me dediquei a esse projeto, talvez o mais importante na minha vida, para contar uma linda história de amor. O projeto é tão elevado, já sofri tanto por ser um menino sozinho, que parece outra encarnação. Mas, quando assistir na TV, não sou mais diretor, e sim o filho. Aí não me responsabilizo pelo que vou fazer, porque até agora estou congelado.


CENAS FORTES
A minissérie é um resumo muito sutil do que aconteceu. Aquilo foi um beijo, mas imagina passar dez anos em um colégio interno sozinho. Os dez anos foram tão violentos que essa cena não é mais violenta para mim. O que tinha que chorar já foi. [A cena em que Maysa é encontrada em uma banheira cheia de sangue após cortar os pulsos] Não vi, mas vi muitas outras. Vivi cenas muito difíceis. Mas isso não é um problema para mim. Não tenho defeitos de fabricação por causa disso. Todos os filhos de artistas passam por problemas não tão diferentes dos que eu passei. As grandes estrelas são complicadas, polêmicas, intensas. Algo tem de especial, não são normais. Acabam fazendo besteiras e vivendo loucuras.

ABANDONO
Nunca fiz análise. Na minha vida inteira me virei sozinho. Imagina ficar sozinho em um colégio interno, sem sair nem para as férias, durante dez anos.
Não falava português direito e até hoje não sei escrever em português. Mas foram 30 anos de análise em dois anos que estou nesse projeto da minissérie. Não tenho por que ficar me lamentando. Eu sou tão realizado. Tenho três filhos lindos, uma mulher linda, ganho muito bem para fazer o que gosto.
Por que reclamar do meu passado? Trabalhei anos para acabar com os meus monstrinhos.

ACERTO DE CONTAS?
[Sobre cena em que André Matarazzo cobra de Maysa atenção ao filho: "Um dia ele vai crescer e há de julgar a boa mãe que você foi ou deixou de ser"] É lógico que já a julguei mal pra caramba. Tinha raiva, era revoltado, pô, como minha mãe me largou em um colégio? Mas, à medida em que cresci, fui entendendo que Maysa agia assim por milhões de motivos. Entendia por que ela bebia, por que a vida dela era difícil. E vivi os dois últimos anos da vida dela muito bem, como grandes amigos. Consegui admirá-la.

HOMENAGEM
Acho que ela ia achar [a minissérie] uma graça, ficar impressionada de andar no Projac e ver um carrinho com o nome dela. Ela morreu endividadíssima, tadinha, ferrada. Eu me sinto à vontade. A minissérie é para cima, não uma lavação de roupa, é uma purificação, uma recuperação de nossa memória e uma homenagem à música brasileira. O país estava esquecendo um patrimônio nacional.



Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.