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Autor inventa cenas "que poderiam ter acontecido"
Manoel Carlos cria sequência em que Maysa se recusa a beijar o filho doente no internato para não pôr a voz em risco
Novelista conta à Folha que Jayme Monjardim chorou ao ler o primeiro capítulo e hesitou em aprovar a cena, mas lhe deu carta-branca
DA REPORTAGEM LOCAL
O diretor Jayme Monjardim
tinha de colocar a minissérie
"Maysa", projeto de sua vida,
nas mãos de um escritor. Seu
escolhido foi Manoel Carlos, a
quem chama de "o autor do coração das mulheres". O novelista terá agora de deixar de lado
suas Helenas, protagonistas de
novelas como "Baila Comigo",
"Laços de Família" e "Páginas
da Vida", para escrever pela primeira vez sobre uma heroína
da vida real.
(LAURA MATTOS)
FOLHA - Seria possível criar uma
Helena [protagonistas das novelas
de Manoel Carlos] como Maysa?
MANOEL CARLOS - Não ia ser uma
tarefa fácil, já que a Maysa tinha uma personalidade mutante, que oscilava de uma hora para outra com comportamentos
paradoxais. Talvez, numa Helena, essa personalidade soasse
indefinida e pouco compreensível. Mas o lado B, digamos assim, da Maysa, sim, é possível.
A mulher desbravadora, corajosa, mas insegura, que vivia intensamente as paixões. Minha
próxima Helena terá algumas
características semelhantes.
FOLHA - Acredita que seu nome esteja nesse projeto porque a vida de
Maysa poderia ser uma novela sua?
MANOEL CARLOS - Não sei dizer
se isso ocorreu ao Jayme Monjardim [filho de Maysa, diretor
e idealizador da minissérie]. O
convite que ele me fez foi decorrente da boa parceria que fizemos em "Páginas da Vida",
assim como da amizade e confiança que se estabeleceu entre
nós. Mas acho a pergunta muito interessante e, se ele não
pensou nisso, pode ter sido levado instintivamente a estabelecer essa ligação, essa ponte.
FOLHA - O sr. tenta trabalhar com
"a vida real" nas novelas. Agora faz
o inverso, pincela a vida real de Maysa com ficção. O que é mais difícil?
Quanto há de ficção na minissérie?
MANOEL CARLOS - Não se pode
dizer que fiz uma obra de ficção, mas que ficcionei a realidade. Tudo o que a minissérie
mostra aconteceu, de um modo
ou de outro, mas com a interpretação de quem pesquisou.
Poderia dizer que é Maysa segundo Manoel Carlos. Ou um
ensaio sobre a vida dela. Uma
cena vivida com o personagem
X, coloco com o Y. Criei muitas
cenas que não aconteceram,
mas que poderiam ter acontecido, pois pertencem ao universo real da Maysa. Ela não falou
tal coisa, mas poderia ter falado. Resumindo, o que criei teria
o consentimento dela, como teve o do Jayme, seu filho único.
FOLHA - Quando escrevia, conseguiu não pensar em qual seria a reação de Monjardim ao ver cenas como aquela em que ele, doente, não
é beijado pela mãe no internato porque teme ficar gripada ou a em que
é achada na banheira com sangue?
MANOEL CARLOS - Só pensei nisso antes de mostrar a ele o primeiro capítulo. Ele chorou e
me autorizou a fazer o que
achasse que devia. Sobre a cena
em que ela não beija o filho, hesitou por instantes. Menos por
ele do que pelo elenco, que ficou horrorizado. Mas mostrei a
ele que a cena não havia ocorrido, mas estaria dentro das possibilidades de ocorrer. E falei
que isso propiciaria outra cena,
no final, em que ambos se perdoariam. Ele ficou feliz e gravou como escrevi. A tentativa
de suicídio não o chocou porque ele viveu próximo dessas
ocorrências durante o tempo
em que viajou na companhia da
mãe. Ele me contou que foram
muitas as tentativas de suicídio
da Maysa (reais ou fingidas)
que ele presenciou.
FOLHA - Como não sentir Monjardim como uma espécie de "censor"?
MANOEL CARLOS - Jayme é de um
senso profissional incomum.
Visa ao trabalho, antes de qualquer coisa. Me disse que se preparou a vida toda para um dia
tocar nessas feridas. Por isso
não fez nenhum tipo de censura. Conversávamos só quando
entregava o capítulo pronto.
Jantávamos juntos, à volta de
uma boa garrafa de vinho, e comentávamos o que estava
pronto. Foi prazeroso, apesar
de doloroso, já que nos defrontávamos, a cada capítulo, com
uma vida passional, cheia de
excessos de toda natureza.
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