São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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Autor inventa cenas "que poderiam ter acontecido"

Manoel Carlos cria sequência em que Maysa se recusa a beijar o filho doente no internato para não pôr a voz em risco

Novelista conta à Folha que Jayme Monjardim chorou ao ler o primeiro capítulo e hesitou em aprovar a cena, mas lhe deu carta-branca

DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor Jayme Monjardim tinha de colocar a minissérie "Maysa", projeto de sua vida, nas mãos de um escritor. Seu escolhido foi Manoel Carlos, a quem chama de "o autor do coração das mulheres". O novelista terá agora de deixar de lado suas Helenas, protagonistas de novelas como "Baila Comigo", "Laços de Família" e "Páginas da Vida", para escrever pela primeira vez sobre uma heroína da vida real. (LAURA MATTOS)

 


FOLHA - Seria possível criar uma Helena [protagonistas das novelas de Manoel Carlos] como Maysa?
MANOEL CARLOS -
Não ia ser uma tarefa fácil, já que a Maysa tinha uma personalidade mutante, que oscilava de uma hora para outra com comportamentos paradoxais. Talvez, numa Helena, essa personalidade soasse indefinida e pouco compreensível. Mas o lado B, digamos assim, da Maysa, sim, é possível. A mulher desbravadora, corajosa, mas insegura, que vivia intensamente as paixões. Minha próxima Helena terá algumas características semelhantes.

FOLHA - Acredita que seu nome esteja nesse projeto porque a vida de Maysa poderia ser uma novela sua?
MANOEL CARLOS -
Não sei dizer se isso ocorreu ao Jayme Monjardim [filho de Maysa, diretor e idealizador da minissérie]. O convite que ele me fez foi decorrente da boa parceria que fizemos em "Páginas da Vida", assim como da amizade e confiança que se estabeleceu entre nós. Mas acho a pergunta muito interessante e, se ele não pensou nisso, pode ter sido levado instintivamente a estabelecer essa ligação, essa ponte.

FOLHA - O sr. tenta trabalhar com "a vida real" nas novelas. Agora faz o inverso, pincela a vida real de Maysa com ficção. O que é mais difícil? Quanto há de ficção na minissérie?
MANOEL CARLOS -
Não se pode dizer que fiz uma obra de ficção, mas que ficcionei a realidade. Tudo o que a minissérie mostra aconteceu, de um modo ou de outro, mas com a interpretação de quem pesquisou. Poderia dizer que é Maysa segundo Manoel Carlos. Ou um ensaio sobre a vida dela. Uma cena vivida com o personagem X, coloco com o Y. Criei muitas cenas que não aconteceram, mas que poderiam ter acontecido, pois pertencem ao universo real da Maysa. Ela não falou tal coisa, mas poderia ter falado. Resumindo, o que criei teria o consentimento dela, como teve o do Jayme, seu filho único.

FOLHA - Quando escrevia, conseguiu não pensar em qual seria a reação de Monjardim ao ver cenas como aquela em que ele, doente, não é beijado pela mãe no internato porque teme ficar gripada ou a em que é achada na banheira com sangue?
MANOEL CARLOS -
Só pensei nisso antes de mostrar a ele o primeiro capítulo. Ele chorou e me autorizou a fazer o que achasse que devia. Sobre a cena em que ela não beija o filho, hesitou por instantes. Menos por ele do que pelo elenco, que ficou horrorizado. Mas mostrei a ele que a cena não havia ocorrido, mas estaria dentro das possibilidades de ocorrer. E falei que isso propiciaria outra cena, no final, em que ambos se perdoariam. Ele ficou feliz e gravou como escrevi. A tentativa de suicídio não o chocou porque ele viveu próximo dessas ocorrências durante o tempo em que viajou na companhia da mãe. Ele me contou que foram muitas as tentativas de suicídio da Maysa (reais ou fingidas) que ele presenciou.

FOLHA - Como não sentir Monjardim como uma espécie de "censor"?
MANOEL CARLOS -
Jayme é de um senso profissional incomum. Visa ao trabalho, antes de qualquer coisa. Me disse que se preparou a vida toda para um dia tocar nessas feridas. Por isso não fez nenhum tipo de censura. Conversávamos só quando entregava o capítulo pronto. Jantávamos juntos, à volta de uma boa garrafa de vinho, e comentávamos o que estava pronto. Foi prazeroso, apesar de doloroso, já que nos defrontávamos, a cada capítulo, com uma vida passional, cheia de excessos de toda natureza.


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