São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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DVD/"Don Giovanni"

Restaurada, obra-prima de Losey arrebata até quem não é fã de ópera

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Don Giovanni" não é um filme de ópera, como esses que se limitam a decalcar uma montagem de teatro. Também não é um filme baseado em uma ópera que tenta superá-la.
"Don Giovanni" de Joseph Losey é um filme que usa todos os recursos do cinema para colocar em relevo a música de Mozart, seus intérpretes e atores. E aquilo que o teatro não pode mostrar tão bem: Veneza. O encanto da abertura é único justamente por isso: as imagens são livres para circular pela paisagem veneziana, seus palácios, suas águas. Não parece que Losey as ilustra, parece até que Mozart escreveu a música para essas imagens. É depois que entram os atores e começa a ação propriamente dita. Não tenho a menor condição de falar sobre a qualidade dos intérpretes, Ruggero Raimondi (Don Giovanni), Kiri Te Kanawa (Dona Elvira), Edda Moser (Dona Anna), Teresa Berganza (Zerlina), José van Dam (Leporello) e a Orquestra da Ópera de Paris, entre outros.
Tirando a orquestra, a primeira coisa a garantir é que se trata de um cast fotogênico, o que não é pouco, tratando-se de cinema. Isso é só uma parte das coisas. Porque a ópera no cinema pode ser uma coisa insuportável, e quem viu, digamos, "La Traviatta", versão Zeffirelli, sabe do que estou falando. Joseph Losey (1909-1984) faz aqui um filme raro. Começa por ter uma vitalidade de garoto, não de um já então veterano e consagrado diretor. Para que suas três horas de duração não possam se tornar aborrecidas, lançará mão de todos os recursos do cinema: o alto e o baixo, o distante e o próximo, o movimento e a estaticidade. Todo mundo faz isso, claro. O problema é fazer na hora certa.
Disse Godard que o cinema é uma questão de distância. E todo "Don Giovanni" são distâncias e dimensões. Podemos ver, num desses momentos memoráveis, o rosto em primeiro plano de Dona Elvira, no alto, que caminha, e embaixo Don Giovanni e Leporello, que acompanham seus movimentos. Ou, mais adiante, Leporello começa a abrir o livro das conquistas de Don Giovanni, numa longa cena, e, enquanto lista as mulheres com quem transou, o livro se desdobra ao longo de uma escadaria, que prossegue por um gramado.
Neste filme de 1980, Losey sabe ser fiel à música e à imagem, às palavras e às expressões, às paisagens, a Veneza. Toma um tipo de representação como a ópera, então fora de moda, e a traz à tela com um sentido de modernidade só igualado pela fidelidade, também, ao tempo representado. É uma obra-prima que volta a circular, muito tempo depois, restaurada, em dois discos, com edição cuidada. Quem gosta de ópera vai adorar. Quem não gosta vai adorar mais ainda, porque terá, de quebra, o prazer do inesperado, da surpresa.

DON GIOVANNI
Lançamento: Versátil
Quanto: R$ 55
Classificação: não informada
Avaliação: ótimo



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