São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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BIA ABRAMO

Maldade desbocada salva "A Favorita"


Não basta ser má, há que enunciar os malfeitos, há que emitir em voz alta o desprezo pelos ingênuos


QUASE NO final, João Emanuel Carneiro acertou a mão. A maldade destrambelhada e desbocada de Flora acabou por conquistar a audiência e, sim, dar uma certa sobrevida à novela. Conquistar é pouco: na verdade, a personagem de Patrícia Pillar vem eletrizando o público de tal maneira que todos os inúmeros buracos de roteiro de "A Favorita" ficaram em segundo plano.
O que há de distintivo em Flora é que toda a perfídia é anunciada: não basta ser má, há que enunciar os malfeitos, há que emitir em voz alta as palavras do desprezo pelos personagens ingênuos e bons.
A ruindade escancarada de Flora não resolve, é claro, os impasses da novela, desta mesma e do gênero. De maneira geral, a história de ódio e perseguição das duas rivais e o pano de fundo de comentário político-social que fizeram o tecido de "A Favorita" tangenciaram, quase sempre, o tédio narrativo, com picos aqui e ali de interesse.
Mesmo a revelação antecipada do "quem matou?" -e quem, no fundo, é bom e quem é mau- teria passado apenas como um dos truques agora tão habituais para fazer subir a audiência não fosse a, digamos, radicalização da vilã.
Fazendo de Flora a vilã sem peias e sem pejo, com traços de psicopata, o autor achou uma maneira de fidelizar os espectadores, que querem voltar, todos os dias, à frente da televisão para gozar da crueldade de Flora.
Ponto para João Emanuel Carneiro e Patrícia Pillar. Uma das tarefas mais complicadas da novela, atualmente, é esta, criar a necessidade de ligar a televisão todos os dias. Pelo jeito, só a narrativa não segura mais; é preciso mais do que o suspense em relação aos destinos dos personagens.
De alguma forma, é necessário ter algum ponto de galvanização emotivo: aqui, é a perversidade que se orgulha de si mesma e se proclama em voz alta (fazendo o espectador odiá-la, sim, mas ao mesmo tempo desejar a sua desfaçatez); em "Paraíso Tropical", de Gilberto Braga, que antecedeu "A Favorita", era a paixão maluca que humanizava o vilão e a puta -e fazia o espectador ora torcer pela punição das maldades de Olavo (Wagner Moura), ora torcer pelo final feliz do amor dele e de Bebel (Camila Pitanga).
A novela que não consegue essa resposta emocional ambígua não vinga ou só se mantém no hábito e por falta de alternativa melhor.

 



Esta coluna entra em férias a partir da semana que vem até o dia 8 de fevereiro.


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