São Paulo, terça-feira, 04 de janeiro de 2011

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"O que me perturba é a repetição", afirma atriz

Carneiro da Cunha diz que gostaria de deixar o teatro "um pouco de lado"

Brasileira, que integra há 20 anos o grupo francês Théâtre du Soleil, quer dedicar mais tempo ao cinema

Fotos Michèle Laurent/Divulgação
Carneiro da Cunha em ensaio

LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Juliana Carneiro da Cunha, 61, é o que se pode chamar, sem temor da pieguice, de operária do teatro.
Há 20 anos, no "canteiro de obras" do mítico Théâtre du Soleil, instalado na Cartoucherie (Paris), a atriz trabalha de 12 a 14 horas por dia.
Como os outros 70 integrantes da trupe, ela se equilibra entre um ofício principal e tarefas secundárias, que incluem incursões pela cozinha e pelo bar do teatro, além de auxílio na bilheteria e na condução da pauta administrativa do coletivo. O soldo universal ali é de € 1.800 (R$ 3.995).
"O que me perturba no momento é o fato de estar repetindo. Todas as noites, é igual. Aos sábados, são duas sessões de quatro horas cada. É pesado", diz, por telefone, da capital francesa. "Gostaria de deixar isso um pouco de lado. Por isso, tenho esse sonho de fazer cinema."
Não que seja exatamente uma neófita nos andaimes audiovisuais. Atuou nos filmes "Lavoura Arcaica" (2001), de Luiz Fernando Carvalho, e "O Veneno de Madrugada" (2004), de Ruy Guerra, entre outros.
"Quando filmo, resolvo no primeiro "take" [tomada]. É uma concentração para um momento preciso."
Haverá quem diga que Juliana está sugestionada pela peça "Os Náufragos da Louca Esperança", produção mais recente da companhia, que deve vir ao Brasil no segundo semestre de 2011. A peça se passa em dois tempos.

AO MAR!
Enquanto a Primeira Guerra se avizinha, em 1914, uma equipe embevecida pelo advento do cinematógrafo se aperta no sótão de um cabaré para rodar um filme.
É a história de emigrantes que, em 1889, deixam o País de Gales rumo à Austrália, mas encalham na Terra do Fogo, onde tentam forjar uma comunidade socialista.
Depois de falar dos planos além-teatro, a atriz cuida para que o banzo não soe como ingratidão ou sinalize intenção de ruptura com o Soleil.
"É momentâneo. Em 2011, virão as turnês e o filme inspirado na peça. Os dias serão diferentes uns dos outros. Preciso disso."
Carioca criada em São Paulo, ela desembarcou na Europa no fim da adolescência, de navio, para estudar na escola de Bruxelas em que o coreógrafo Maurice Béjart (1927-2007) buscava a capacitação do "intérprete total", capaz de trafegar entre canto, dança, drama e circo.
Testou o aprendizado em montagens híbridas e em colaborações com Bob Wilson.
Em 1976, com o espetáculo "L'Âge d'Or" (a era de ouro), o Soleil lhe fez a corte.
Depois, ela voltaria ao Brasil para ter o primeiro filho.
Ainda era vista mais como bailarina do que atriz ao subir à cena de "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant", em 1982, para um papel sem falas em contracenação com Fernanda Montenegro.
O verbo correria solto dois anos depois, em "Mão na Luva", com Marco Nanini.
É a dança que a conduziria de volta à França, em 1988, a convite de Maguy Marin.
Passados dois anos, reengatava o flerte com a trupe de Mnouchkine.
"Em nenhuma parte do mundo há um grupo que mantenha há 46 anos essa poesia", diz, romântica.
A euforia só finda quando ela se lembra "da conversa fácil, do jeito e do "tocar as pessoas'" do Brasil.
Larga a embarcação festiva de "Náufragos" para falar em saudade. Até ser catapultada de volta à terra firme do Soleil, pois é dia de espetáculo e, operária que é, Juliana sabe que o trabalho não se fará por si só.


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