São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

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Diretor é o profeta do homem-imagem

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

O espetáculo é a essência do cinema de Stanley Kubrick. Alguém dirá, com razão, que é a essência de de qualquer cinema. Mas em Kubrick existe um pensamento particular sobre o espetáculo.
Não se trata de uma idéia feita, nem da necessidade de "encher os olhos" do público. De "Spartacus" a "2001", de "Dr. Fantástico" a "Laranja Mecânica", o ponto de partida invariável é o espetáculo da vida, que substitui a existência e o próprio homem (ou uma humanidade periclitante).
Para ficar em um exemplo evidente e rápido: os astronautas de "2001" não são muito mais dotados de humanidade do que o computador Hal-9000. Limitam-se a tocar a vida, sem indagações.
O desarranjo de Hal-9000 é que lhes chamará a atenção para a existência e seus próprios desarranjos. A partir daí é que a existência passa a se manifestar, a busca de sua origem e a especulação sobre seu futuro tornam-se motivos de sobrevivência.
O espetáculo kubrickiano não é, assim, uma representação mais ou menos aproximada ou simbólica de coisas dotadas previamente de um sentido.
De certo modo, Kubrick parte da constatação do fim do humanismo e de seus valores. O que são os militares de "Glória Feita de Sangue" senão máquinas de guerra, incapazes de raciocinar por outra lógica que não a da guerra e do espetáculo que lhe é conexo (no caso, um fuzilamento)? O que é a lavagem cerebral de "Laranja Mecânica", a não ser a exposição do personagem a uma série de imagens, acrescentada à crença de que esse espetáculo "exemplar" é suscetível de mudar um comportamento?
Kubrick é o profeta do homem-imagem, que se quer pura aparência e move-se em torno delas, não se reconhece no passado e não aspira a nenhum devir. É um cineasta contra o fim da história, que se vale do espetáculo para formular a crítica do mundo-espetáculo.



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