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Pior que "Taxi Driver",
melhor que muita coisa
SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada
"Vivendo no Limite", que estréia hoje, é um mau Scorsese.
Mas é melhor um mau Martin
Scorsese, o cineasta de "Taxi Driver", "Touro Indomável" e "Os
Bons Companheiros", do que um
ótimo... Um ótimo quem?
Vejamos quem está em cartaz:
embora não tão bom, "Vivendo
no Limite" é melhor que "Dogma", de Kevin Smith, muito melhor que "A História de Nós
Dois", de Rob Reiner, e escrever o
nome do filme na mesma sentença que "Fim dos Dias" e "Xuxa
Requebra" é insanidade.
(Para não falar de "Iremos a
Beirute", mas deixemos o abalado
cinema nacional em paz.)
"Vivendo no Limite" relata três
dias da vida de Frank (Nicolas Cage), um paramédico de ambulância do hospital Nossa Senhora da
Misericórdia, no bairro pobre de
Hell's Kitchen, em Nova York.
Hell's Kitchen (cozinha do inferno) vai da rua 30 à rua 59, ladeado pela Oitava Avenida e o rio
Hudson, no lado oeste de Manhattan. É onde se passa o livro
"Sleepers", de Lorenzo Carcaterra. Na época em que acontece
"Vivendo no Limite", começo dos
anos 90, era a versão ianque do
Jardim Ângela, de São Paulo.
Nessas quebradas, Frank Pierce
(Cage) passa suas madrugadas
salvando bêbados, prostitutas,
mendigos, bandidos e traficantes,
depois de ter sido abandonado
pela mulher e enquanto vê crescer
seu problema com o álcool.
Há muito tempo ele não consegue manter vivo nenhum de seus
resgatados; começa então a crer
numa maldição, que teria começado quando uma junkie hispânica morreu em suas mãos, por ter
sido tratada da maneira incorreta.
O filme é a adaptação do livro
"Vivendo no Limite", do novato
Joe Connelly, ele próprio um ex-paramédico, pelo roteirista Paul
Schrader, também de "Taxi Driver" e "Touro Indomável".
Na vida real, o que "Taxi Driver" fez pelos taxistas, "Vivendo
no Limite" faz pelos paramédicos.
Na arte, o primeiro reinventou o
drama urbano e influenciou toda
a geração de cineastas que se seguiu. Já "Vivendo" quando muito
pode render artigos como este.
Gerald Thomas, em texto publicado na Ilustrada há algumas semanas, odiou o filme. Não perdoa
Scorsese por ter se rendido ao mito de si próprio.
Pode ser.
Mas tente sair incólume de cenas íntimas como a dos colegas
conversando, um perguntando
ao outro quando foi a última vez
que teve coragem de fazer um boca-a-boca com um paciente.
"Quando eu era jovem", diz um.
"Uma vez, num bebê", diz outro.
Cômicas, como na hora em que
o motorista evangélico Marcus
(Ving Rhames) converte, com
uma seringa escondida e muita lábia, toda uma turma de clubbers
apavorados. Comoventes, caso da
eutanásia praticada com calma,
dignidade e resignação por Frank,
um dos grandes momentos de Nicolas Cage no filme.
E magistrais, quase no final. O
paramédico resgata um traficante
espetado na grade do alto de um
prédio. Com uma lança de ferro
de meio palmo de largura atravessada entre estômago e fígado, o
malandro olha a paisagem e confessa a Frank (e a todos nós): mesmo assim, Nova York vale a pena.
Avaliação:
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