São Paulo, #!L#Sexta-feira, 04 de Fevereiro de 2000


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Pior que "Taxi Driver", melhor que muita coisa

SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada

"Vivendo no Limite", que estréia hoje, é um mau Scorsese. Mas é melhor um mau Martin Scorsese, o cineasta de "Taxi Driver", "Touro Indomável" e "Os Bons Companheiros", do que um ótimo... Um ótimo quem?
Vejamos quem está em cartaz: embora não tão bom, "Vivendo no Limite" é melhor que "Dogma", de Kevin Smith, muito melhor que "A História de Nós Dois", de Rob Reiner, e escrever o nome do filme na mesma sentença que "Fim dos Dias" e "Xuxa Requebra" é insanidade.
(Para não falar de "Iremos a Beirute", mas deixemos o abalado cinema nacional em paz.)
"Vivendo no Limite" relata três dias da vida de Frank (Nicolas Cage), um paramédico de ambulância do hospital Nossa Senhora da Misericórdia, no bairro pobre de Hell's Kitchen, em Nova York.
Hell's Kitchen (cozinha do inferno) vai da rua 30 à rua 59, ladeado pela Oitava Avenida e o rio Hudson, no lado oeste de Manhattan. É onde se passa o livro "Sleepers", de Lorenzo Carcaterra. Na época em que acontece "Vivendo no Limite", começo dos anos 90, era a versão ianque do Jardim Ângela, de São Paulo.
Nessas quebradas, Frank Pierce (Cage) passa suas madrugadas salvando bêbados, prostitutas, mendigos, bandidos e traficantes, depois de ter sido abandonado pela mulher e enquanto vê crescer seu problema com o álcool.
Há muito tempo ele não consegue manter vivo nenhum de seus resgatados; começa então a crer numa maldição, que teria começado quando uma junkie hispânica morreu em suas mãos, por ter sido tratada da maneira incorreta.
O filme é a adaptação do livro "Vivendo no Limite", do novato Joe Connelly, ele próprio um ex-paramédico, pelo roteirista Paul Schrader, também de "Taxi Driver" e "Touro Indomável".
Na vida real, o que "Taxi Driver" fez pelos taxistas, "Vivendo no Limite" faz pelos paramédicos. Na arte, o primeiro reinventou o drama urbano e influenciou toda a geração de cineastas que se seguiu. Já "Vivendo" quando muito pode render artigos como este.
Gerald Thomas, em texto publicado na Ilustrada há algumas semanas, odiou o filme. Não perdoa Scorsese por ter se rendido ao mito de si próprio.
Pode ser.
Mas tente sair incólume de cenas íntimas como a dos colegas conversando, um perguntando ao outro quando foi a última vez que teve coragem de fazer um boca-a-boca com um paciente. "Quando eu era jovem", diz um. "Uma vez, num bebê", diz outro.
Cômicas, como na hora em que o motorista evangélico Marcus (Ving Rhames) converte, com uma seringa escondida e muita lábia, toda uma turma de clubbers apavorados. Comoventes, caso da eutanásia praticada com calma, dignidade e resignação por Frank, um dos grandes momentos de Nicolas Cage no filme.
E magistrais, quase no final. O paramédico resgata um traficante espetado na grade do alto de um prédio. Com uma lança de ferro de meio palmo de largura atravessada entre estômago e fígado, o malandro olha a paisagem e confessa a Frank (e a todos nós): mesmo assim, Nova York vale a pena.


Avaliação:    


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