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ROMANCE/"MISTO-QUENTE"
Aprenda a virar "freak" com Bukowski
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Bukowski não está morto,
um viva ao velho sujo e feio
Hank! As sucessivas reedições de
seus livros apenas reafirmam a
condição de duro na queda do
poeta e narrador de Los Angeles.
E então eis que surge nas bancas
uma nova tradução de "Misto-Quente", sexta narrativa longa do
autor e fora de catálogo por aqui
há mais de 20 anos.
Espécie de romance de formação, "Misto-Quente" conta os
desmazelos de infância e da adolescência de Henry Chinaski, alter
ego e protagonista de parte dos livros de Bukowski, durante o período de recessão posterior a 1929
nos Estados Unidos. Filho de imigrantes e de um pai egoísta e violento, Chinaski submerge no cotidiano miserável do subúrbio em
que vive para constatar sua total
inadequação ao "american way of
life" representado pelos colegas
do bairro da escola rica em que estuda, obrigado pela imposição de
sua família com ambições arrivistas. Não bastassem tais diferenças, que o restringem a observar o
mundo de fora, a partir das margens das pistas de dança e dos
campos de beisebol para os quais
não é convidado, o garoto ainda é
vitimado por grave caso de acne
que o alija de vez do convívio social. É assim que Chinaski sobrevive às melhores fases da vida de
uma pessoa: submetido a um doloroso tratamento a base de agulhas elétricas e emplastros, espancado e menosprezado pelo pai e
por todos. O troco de Chinaski será dado em iguais doses de violência e insubordinação, claro. Apesar de ser produção tardia (o livro
foi escrito pelo autor depois dos
60 anos), "Misto-Quente" é admirável ao registrar a dura perda da
ingenuidade de um garoto e a sua
posterior metamorfose em
"freak" durante a puberdade.
O permanente interesse despertado pelos livros de Bukowski entre os jovens leitores talvez reflita
a falência da indústria editorial
em colocar na praça histórias que
não sejam insossas, insípidas e
inodoras. Talvez seja porque, de
alguma forma, as cartilhas que regem a construção de narrativas
pelos padrões do politicamente
correto procurem ocultar o que
não pode ser ocultado: a juventude de ontem, de hoje e de sempre
permanece constituída da mesma
carne -garotos e garotas cruéis
com hormônios prestes a explodir e em busca de diversão que inclua drogas e álcool (de preferência). Porém a curiosa mistura de
filosofia barata com a tradição da
ficção andarilha e imigrante de
Bill Saroyan e John Fante, culminou em obra consistente que hoje
serve e por muito tempo ainda
servirá como "porta de entrada"
para a literatura aos leitores mais
ineptos e tardios. Inexplicável é
continuar a ler o autor por toda a
vida em clima de adoração semelhante ao do "raulseixismo". No
prefácio ao livro, o tradutor Pedro
Gonzaga reclama para Bukowski
uma poltrona na primeira fila,
junto a autores mais consagrados.
Aposto que o velho bebum preferiria o lugar em que realmente está, na terceira fila, onde assim pode rir de tudo.
Joca Reiners Terron é escritor, autor
de "Hotel Hell" (ed. Livros do Mal), entre
outros
Misto-Quente
Autor: Charles Bukowski
Tradução: Pedro Gonzaga
Editora: L&PM
Quanto: R$ 19,50 (318 págs.)
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