São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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Aberta a temporada

Novos episódios das séries "Lost", "Grey's Anatomy" e "Desperate Housewives" reforçam a programação das TVs aberta e paga em ano com apostas mal-sucedidas

de noivado às amigas no primeiro episódio do 3º ano de "Desperate Housewives", em que a comédia sela as pazes com a crítica

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

A crítica norte-americana tem insistido em usar a expressão "era de ouro" para se referir à atual safra de teledramaturgia. Os pilares do bom momento seriam a ousadia e a originalidade dos temas abordados, associadas à disposição de experimentar formatos.
Se a adjetivação laudatória pode soar precipitada, três séries que reestréiam no Brasil nesta semana -"Lost", "Grey's Anatomy" e "Desperate Housewives" - provam que os ventos sopram mesmo a favor da ficção televisiva ianque. De quebra, salvam um ano em que os canais pagos brasileiros fizeram más apostas e quase só importaram "bombas", como "In Justice" e "Courting Alex", ambas do Sony. A exceção é "Heroes", grande sucesso nos EUA, que estréia no Brasil em 2 de março.
"Lost", a mais festejada pelo público brasileiro, tem sua segunda temporada (já vista no canal pago AXN) apresentada na Globo, em versão dublada, a partir de amanhã. Em fevereiro de 2006, a primeira marcou 16 pontos de média no Ibope, índice excelente para o horário.
Nos EUA, depois de um hiato de três meses, o terceiro ano da saga dos sobreviventes do desastre no vôo 815 da Oceanic Air volta ao ar, nesta quarta, com um desafio: elucidar mistérios suficientes para estancar a sangria de audiência, sem entregar pontos-chave da trama.
O enigma que envolve o personagem de Rodrigo Santoro deve ser um dos primeiros da fila, já que ele está de saída. Para fugir do rastro de "American Idol" e da concorrência de "Criminal Minds", o programa migra das 21h para as 22h, nos EUA. Mas os rumos da história não mudarão segundo a medição do ibope.
"Sempre buscamos um equilíbrio entre as duas principais críticas dos fãs: a mitologia excessivamente complexa que envolve a ilha e o fato de não darmos muitas respostas. Não há um balanço perfeito, mas contamos com o público para nos guiar de alguma forma", disse o co-criador Damon Lindelof, em outubro passado, durante entrevista da qual a Folha participou, nos EUA.
A máxima do "nada em "Lost" é o que parece" -que inspira, no círculo de fãs, as mais estapafúrdias teorias sobre o simbolismo da ilha- é seguida pelos roteiristas desde o começo de tudo, quando esboçavam personagens como Sayid.
"Escrevemos o piloto em janeiro de 2004. Na época, fazia cerca de seis meses que George Bush anunciara a vitória americana no Iraque, e a América começava a sentir que aquilo [a guerra] poderia durar mais do que se imaginava. Achamos interessante apresentar um personagem heróico e cativante e depois revelar que ele tinha sido da Guarda Republicana Iraquiana. A noção de que as coisas podem não ser o que aparentam nos parecia um comentário político interessante", contou Lindelof.

Ambigüidade da guerra
Haveria, nas entrelinhas da trama, mais acenos à política externa dos EUA? "Não. O que existe é a idéia de tentar entender o ponto de vista daqueles que não se conhece", afirmou o produtor Carlton Cuse.
Lindelof explicou melhor. "O mais curioso da guerra é a ambigüidade. Sabemos que temos tropas no Iraque mantendo algum tipo de paz, mas não estamos em guerra contra o país, certo? Essa ambigüidade também perpassa "Lost". Quem são Os Outros [habitantes da ilha que não os sobreviventes do desastre aéreo]? Eles estão nos atacando? Porque o fato é que [os sobreviventes] matamos sete ou oito dos deles, e eles, só um dos nossos. Ok, eles nos atraem para dentro da floresta, mas não seria porque querem nos resgatar de algo?"
E completou: "É fácil dizer que pessoas que cometem atos terroristas, amarram bombas na cintura e lançam aviões contra prédios são loucas, mas você questiona isso se encara os fatos pela perspectiva delas. Isso [questionar-se] é mergulhar na consciência americana."
Mergulhar na consciência dos roteiristas e emergir com a solução dos enigmas é certamente a aspiração de muitos fãs da série. Alguns temem que os produtores não saibam desatar os nós e que o desfecho não recompense a fidelidade à série. Cuse tranqüiliza a turma.
"Nas principais tramas, já sabemos o que irá acontecer. Não criaríamos uma escotilha [que é explorada pelos sobreviventes na 2ª temporada] sem saber o que estaria ali", exemplificou.
Os autores, pelo visto, guardam as explicações para si. Os scripts só são entregues aos atores dois ou três dias antes das gravações, o que deixa gente como Emilie de Ravin, intérprete de Claire, no escuro. "Acho que estamos todos na ilha para nos dar conta de algo, independentemente de aquele lugar ser real ou não", arriscou.
O sentimento de coletividade que, na ficção, faz a turma se agrupar para enfrentar Lostzilla, urso polar e afins, não encontra eco longe das câmeras.
"Não somos tão unidos. No início, saíamos juntos. Depois, por causa do sucesso do programa mundo afora e dos horários de cada um, ficou difícil", diz Matthew Fox, o Jack Shepard, líder involuntário do bando.


O repórter LUCAS NEVES viajou a convite da Sony Pictures Television International


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