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Cantor criou estilo com voz macia e apaixonada
JOÃO MÁXIMO
especial para a Folha
Na noite de 14 de maio de 1931,
Silvio Caldas subiu ao palco do
teatro Recreio, centro do Rio, para
cantar "Faceira", de Ary Barroso, num dos quadros da revista
"Brasil do Amor". Aplaudido de
pé, teve de bisar o samba oito vezes. Foi o primeiro sucesso de uma
carreira pode-se dizer única.
Silvio seria o cantor de mais longa atividade na música brasileira.
Iniciou-se como profissional em
1927 e não parou de cantar nas
quase sete décadas seguintes. E
criou um estilo: o de seresteiro de
voz morena, morna e apaixonada.
Silvio Narciso do Figueiredo
Caldas nasceu em São Cristóvão,
no Rio, em 23 de maio de 1908.
Pertencia a uma família de músicos. Sua mãe, a baiana Alcina,
cantava, e seu pai, o carioca Antônio, era afinador de pianos e compositor (é dele a valsa "Neuza",
gravada por Orlando Silva).
Menino ainda, começou a cantar, participando, com seis anos,
da "Casa dos Bigodinhos", clube
onde aconteciam saraus. Depois,
foi para a "Família Ideal", bloco
que saía pelas ruas do bairro.
Ganhou então o apelido de "O
Rouxinol da Família Ideal", primeiro dos muitos epítetos que teria pela vida afora: "o Caboclinho
Querido", "A Voz Morena que a
Cidade Adora".
Tinha apenas nove anos quando
se iniciou no ofício de aprendiz de
mecânico. Tornou-se conhecedor
da profissão e também era bom
pescador e exímio cozinheiro.
Em 1927, levado por Máximo de
Albuquerque para um teste na Rádio Mayrink Veiga, conheceu o
cantor de tangos Antonio Gomez,
o Milonguita, a cujos ensinamentos Silvio atribuiria sua perfeita
técnica de respirar e dividir.
Quando começou, havia dois estilos de cantores de música popular brasileira: os que se inspiravam
no "bel canto", como Vicente
Celestino, e os de voz pequena,
"de bossa", como Mário Reis.
Silvio Caldas entra em cena entre
um estilo e outro, somando à sua
voz aveludada e ao mesmo tempo
extensa o molejo que o permitia
sentir-se à vontade em qualquer
gênero. Bom compositor, em 1934
tornou-se parceiro de Orestes Barbosa. Passou então a musicar as letras do poeta, nascendo assim
uma série de canções antológicas.
A primeira, "Serenata".
Da dupla são também "Arranha-Céu", "Suburbana", "Torturante Ironia", "Vestido das Lágrimas", "Quase Que Eu Disse",
"Santa dos Meus Amores" e, a
mais famosa, "Chão de Estrelas".
Durante os anos 30, Silvio Caldas cantou em praticamente todas
as emissoras de rádio do Rio.
Criou então a fama que jamais o
abandonaria: a de descumpridor
de compromissos.
Por esse tempo, tornou-se um
dos campeões do carnaval: "Linda Lourinha" e "Pastorinhas"
foram sucessos lançados por ele.
Foi também o melhor intérprete
de Ary Barroso, por mais que o
compositor o negasse (dizia que
seu preferido era Ernani Filho).
Silvio Caldas foi praticamente o
único cantor da chamada "era de
ouro" da música brasileira a sobreviver à modernização pré-bossa nova dos anos 50 e mesmo ao
movimento que viu surgir João
Gilberto e seus discípulos.
Durante esse tempo, gravou vários LPs, fez shows em teatros e
boates, apresentou-se no rádio e
na televisão, alternando aparições
e sumiços, que eram recebidos como aposentadorias que acabaram
virando piada no meio musical.
Cada novo retorno explicava
que o grande segredo de sua vida
era recomeçar sempre.
Exemplos de recomeço são o segundo casamento, aos 56, e sua
corajosa reação à morte do filho
de nove anos, em 1974, atropelado
por um automóvel. Atribuiu a tragédia à "vontade de Deus" e, dois
anos depois, estando com quase
70, nascia-lhe outro filho.
João Máximo é jornalista
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