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São Paulo, terça-feira, 04 de março de 2003

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DOCUMENTÁRIO

"Aqui Favela, o Rap Representa", em fase de finalização, centra-se nas periferias de SP e BH

Filme sintoniza rede de comunicação do rap

Divulgação
O rapper Mano Brown, um dos ícones da velha guarda do rap, em cena do filme "Aqui Favela"


ISRAEL DO VALE
DA REPORTAGEM LOCAL

A "CNN dos pobres" ganha uma potente "retransmissora" no Brasil. "Aqui Favela, o Rap Representa", documentário da antropóloga Júnia Torres e do jornalista Rodrigo Siqueira, capta de forma simples e contundente o funcionamento da grande rede de comunicação criada pelo rap.
O projeto foi um dos 13 contemplados, entre 201 pretendentes, à verba de R$ 80 mil oferecida em 2001 por concurso público do Ministério da Cultura. Geograficamente, a referência é a periferia de São Paulo e Belo Horizonte. Socialmente, poderia ser quase qualquer quebrada deste mundaréu.
Extraído de 130 horas de gravação e cerca de 50 entrevistas produzidas ao longo do ano passado, o documentário traduz para não-iniciados o universo em desencanto que levou parcela significativa da população (especialmente a negra e/ou pobre) a constituir uma espécie de maçonaria da exclusão, com códigos de conduta, linguagem e princípios bastante próprios e ensimesmados.
O material resultou em duas versões -uma de 52 minutos, que atende às exigências do edital de um formato que pudesse rodar emissoras públicas; outra de 92 minutos, criada para deixar fluir o discurso. A maior parte dos personagens ouvidos ficou de fora.
"Preferimos entrar mais no universo de alguns deles a deixar fragmentado", explica Rodrigo Siqueira, 29, que passou a trilhar as picadas do movimento hip hop com mais frequência a partir das pesquisas feitas com Júnia Torres para o filme "Uma Onda no Ar", de Helvécio Ratton, sobre a Rádio Favela de BH. Ao lado das questões étnica e social, a oralidade é um dos aspectos que emergem do longa com mais força. "É o poder simbólico da palavra típico das tradições orais africanas", diz Torres, 34, que desde 1997 estuda novas formas de organização juvenil, com ênfase no hip hop, tema de seu mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais.
O viés político do movimento salta aos olhos, com a força da prática diária da reivindicação. "O interessante é que não existe uma diretriz unificada, programática, mas multifacetada e polifônica", diz Siqueira. "Aqui Favela, o Rap Representa" espelha as principais questões (e contradições) do movimento hip hop vistas de dentro. A ênfase está na oralidade e nas pessoas, mais que na música ou nos artistas.
O aspecto humano, de como o código de ética invisível do movimento determina as posturas do dia-a-dia na prática, se impõe. Há relatos valiosos da vida à beira do abismo social. "O rap, para eles, é um canal de denúncia e reafirmação das diferenças", diz Torres, que vê a violência verbal das letras em oposição à violência das ruas.
O documentário trata em pé de igualdade novatos como os dos grupos Interferência (Jandira/ Grande SP), Irmãos de Sangue (Morro do Papagaio/BH) e NUC (Alto Vera Cruz/BH) e ícones da velha escola, como os rappers Thaíde e Mano Brown, o b-boy Nelson Triunfo, Nino Brown (líder brasileiro da Zulu Nation, do pai-de-todos Afrika Bambaataa, que também está no longa) e Milton Sales, articulador silencioso de importância vital para o hip hop.br -foi, por exemplo, o homem que trouxe Racionais à tona.
Em fase de finalização, "Aqui Favela, o Rap Representa" está inscrito no festival É Tudo Verdade, que anuncia sua seleção no próximo dia 7. Por enquanto, tem exibições, nas ruas, previstas para São Paulo, Jandira e Belo Horizonte, ainda sem data definida.


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