São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

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CINEMA

Vila Brasilândia é locação de "Antonia", sobre quatro garotas do movimento hip hop; bairro recebeu show no sábado

Tata Amaral roda longa na periferia de SP

João Wainer/Folha Imagem
Leilah Moreno, uma das protagonistas de "Antonia", que está em fase de produção


TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi uma noite rara na Vila Brasilândia, periferia da região norte de São Paulo. No último sábado, uma festa de hip hop movimentou a vida dos moradores e avançou madrugada adentro sem registrar nenhum incidente.
Antes de as atrações escaladas para animar o evento subirem ao palco, Thaíde, o VJ da MTV que fazia as vezes de MC, falava ao público sobre as regras do espetáculo: "O volume das primeiras músicas vai ser bem baixo porque estará só no palco. As câmeras vão circular no meio de vocês, mas não olhem direto para ela, fiquem normais. É só se divertir."
O acontecimento raro conjugava a diversão gratuita, havia shows "reais" dos grupos como Záfrica Brasil e O Poder, entre outros, e a possibilidade de participar de um filme, "Antonia", longa que a diretora Tata Amaral roda até o fim deste mês pela Grande São Paulo.
O enredo trata de quatro garotas que perseguem o sonho de cantar rap e formam o grupo que dá nome ao filme.
Elas são interpretadas pelas cantoras Negra Li, Cindy Mendes, Quelynah e Leilah Moreno. Completam o elenco Sandra de Sá, Thobias da Vai-Vai e uma lista de MCs e DJs da cena hip hop, como Kamau, Maionese, Hadji, Negro Rico e o próprio Thaíde.
"Preferi trabalhar com músicos, ensiná-los a interpretar e fazer com que eles encarnassem os personagens usando as coisas que eles conhecem bem melhor do que eu", explica Tata.
De fato, as quatro protagonistas têm uma trajetória que, em certos aspectos, se assemelha à de suas personagens. Todas passaram a vida na periferia e batalharam para vencer num meio predominantemente masculino.
"Faço rima inteligente. Não gosto de ficar lembrando o público que sou mulher. Isso eles já estão vendo. Antes, era necessário dizer, agora não é mais", diz Cindy, 16, conhecida pela desenvoltura no "freestyle", gênero no qual se faz música de improviso. "É você que impõe o respeito. Ganhei espaço pelo que faço."

Break
Apesar do tempo encoberto, chegou inclusive a garoar, cerca de 800 pessoas foram no sábado ao campinho do Guarani, um terreno do tamanho de uma quadra de futebol de salão, numa tranqüila rua residencial.
Para atrair os moradores, a produção espalhou faixas e colocou uma moto equipada com alto-falante para divulgar o evento pelo bairro durante a semana anterior.
As crianças, que não puderam entrar, ficaram no asfalto -algumas em grupos imitavam os passos do break, e outras tentavam convencer os seguranças para entrar na locação.
Os homens jovens eram maioria, mas havia famílias e gente na janela espiando a movimentação.
"É uma diversão para a galera. Na quebrada nunca tem nada", diz o motoboy Jefferson do Carmo Froes, 25, fã de Negra Li.
"Hip hop não é minha praia, mas é o que toca na periferia. O show mobiliza todo mundo. É uma forma de entreter as pessoas. É uma opção para elas não ficarem em casa pensando em coisas ruins", diz a estudante universitária Semirames Costa, 26.
Saber que o bairro e as pessoas de lá estarão nas telas do cinema também é motivo de orgulho.
"É importante mostrar que na periferia tem muita gente correndo atrás. Aqui não tem só violência. Há pessoas dentro da comunidade com muito talento."
Semirames foi ao campo do Guarani convencida pela mãe, a costureira Maria Seabra, 60 anos, 40 deles vividos na Brasilândia.
"Queria muito vir. É maravilhoso ver a cultura aqui no bairro", diz Maria, que arranjou um trabalho na produção do filme fazendo ajuste nos figurinos.
A filha lembra do impacto econômico que a produção do filme gerou na comunidade: "Abriu bico para um monte de gente".
"A idéia é aproveitar a mão-de-obra local. É claro que algumas funções exigem maior especialização, mas, ainda assim, várias pessoas no bairro trabalham com cinema", conta a diretora.

Pagodeira
Havia ainda quem estivesse interessado somente em ver e ser visto. Um grupo de cinco garotas, com idades entre 21 e 30 anos, foram ao show somente para conferir o movimento.
"A gente é pagodeira", contou em tom de confissão a cabeleireira Glaucia Soldá.
"É raro acontecer alguma coisa aqui, se acontece é briga. Falta um lugar para as pessoas se divertirem", diz Glaucia.
A diversão para as amigas era paquerar os rapazes. Mas nenhum agradou a cabeleireira. "Já vi que eu vou embora sozinha."


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