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Técnica aprimorada nos EUA, a maturação a seco é lançada em restaurante paulistano
LUIZA FECAROTTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um belo dia, Jeffrey Steingarten, o crítico gastronômico
da "Vogue" americana, tirou
tudo de sua geladeira para acomodar um corte de 15 quilos de
costela de boi, coberta com gordura e cartilagens. Também colocou ali dentro um ventilador
azul de plástico e um aparelho
para medir a umidade. Então
simulou uma pequena câmara
de maturação a seco, na tentativa de potencializar aroma, maciez e sabor da carne.
Essa técnica, conhecida como "dry age", teve origem na
época em que caçadores penduravam ao ar livre os animais
capturados e os deixavam quase apodrecer, para amaciar sua
carne. Aprimorada nos Estados
Unidos, somente neste mês
chega, em maior escala, a um
restaurante de São Paulo, cidade na qual se pratica o método
da maturação a vácuo, no qual
as peças são embaladas e mantidas em câmaras frias.
Para comemorar seus 50
anos, a churrascaria Dinho's,
que antes funcionava em um
pequeno imóvel na al. Santos e
hoje ocupa 1.800 m2 no mesmo
local onde nasceu, lança três
cortes maturados a seco, o t-bone, o contrafilé e o prime-rib
(de R$ 79 a R$ 81).
Há quatro meses, Fuad Zegaib, o Dinho, 77, começou a fazer testes em um espaço improvisado para depois montar
uma câmara refrigerada projetada especialmente para sua
ação, com capacidade para três
toneladas de carne. Seu interior obedece às exigências de
temperatura (entre 1ºC e 3ºC),
umidade (de 70 a 75%), ventilação (ambiente arejado) e luminosidade (luz ultravioleta que
inibe o crescimento da superfície de bactérias).
Peças inteiras descansam
entre 15 e 20 dias nesse ambiente, intocadas, etiquetadas e
acomodadas em prateleiras.
Nesse processo, "as enzimas
desgastam as proteínas dos
músculos que inicialmente são
muito duras", diz Dinho. "A
carne resseca um pouco, mas o
osso e a gordura selam as peças
fazendo com que boa parte do
suco permaneça dentro da carne [que depois passa por uma
"limpeza", é porcionada pelos
churrasqueiros e preparada na
grelha de carvão]."
Paola Carosella já fez experiência semelhante em seu restaurante Arturito. Deixou uma
peça de contrafilé descansar
em uma câmara por 12 dias,
perto do ventilador. "Com o
tempo, a carne perde água e fica preta, com crostas de fungos
[que depois são retiradas]; o
mesmo sabor fica concentrado
em um volume [até 30%] menor." Pouco depois, desistiu do
investimento. "É um produto
muito caro e não tem qualidade
proporcional." Segundo a chef,
o gado de açougue tradicional
no Brasil, o Nelore, não cria
gordura intramuscular suficiente e, "para ter um bom resultado, é preciso ter uma carne muito marmorizada".
No Dinho's (al. Santos, 45,
tel. 0/xx/11/3016-5333), a matéria-prima é um boi de cruzas
britânicas, abatido precoce,
com até 24 meses. "E nos últimos quatro meses, são criados
a pão de ló, confinados com
custo mínimo de R$ 5 por dia
para o pecuarista, para obter a
quantidade e a qualidade ideais
de gordura", diz o restaurateur.
A vácuo
Para o especialista István
Wessel, proprietário da marca
Carnes Wessel, esse processo
não deve funcionar no Brasil.
"A gente come com os olhos e a
carne maturada, que fica preta
com gordura branca, não passa
no teste de visão", diz.
Também vê controvérsia em
relação à maciez da carne. "Dizem que a carne maturada a seco é mais macia e eu fico na dúvida: "É mais macia porque é
proveniente de uma carne mais
gorda ou é mais macia por conta do processo?" Não sou bioquímico, mas não vejo lógica.
Acho que acaba sendo mais macia não pelo processo e sim por
ser proveniente de um gado
mais gordo e suculento."
Segundo ele, o processo enzimático que ocorre na maturação a seco e na maturação úmida, a vácuo, é "rigorosamente o
mesmo". Tem diferença no sabor? "Uma diferença muito sutil. O que faz a grande diferença
é a matéria-prima."
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