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CRÍTICA
Obra erotiza cidade em cortes de videoclipe
SÉRGIO COHN
especial para a Folha
São Paulo, 1963. A recepção a
"Paranóia" não poderia ser outra:
espanto e um silêncio ressabiado.
Afinal, Piva usava uma linguagem
que parecia ser incompatível com
a linguagem poética -palavrões,
gírias- e misturava profanamente poesia e vida.
Os ágeis cortes cinematográficos criavam paralelo com uma arte que só 20 anos depois se infiltraria no Brasil: o videoclipe.
"Poema Lacrado": "a/diminuta
peça teatral estreando para os alucinados/e as/crianças instalavam
transatlânticos nas bacias/de água
morna/Tarde de estopa carcomida/e pêssego c/ marshmallow no
Lanches Pancho/meu pequeno
estúdio invadido por meus amigos/bêbados/Miles Davis a 150
quilômetros por hora".
Em diálogo com as fotografias
de Wesley Duke Lee (também cinematográfico), Piva apresenta e
erotiza a cidade, fazendo uma
ponte entre o modernismo mais
radical e a contracultura ainda
germinante. Chamá-lo de surrealista ou beat, nesse sentido, é uma
redução inaceitável. É claro que
Piva foi um leitor atento do surrealismo e, na primeira hora, da
geração beat. Mas há muito mais
nele, inclusive um extenso conhecimento da poesia brasileira, e
uma filiação para certa tendência
anticonformista dela. Como nas
homenagens a Jorge de Lima e
Mario de Andrade, e os diálogos
diretos com Murilo Mendes.
Se a reedição do "Paranóia" assusta por sua extrema atualidade,
nela está contida também o que se
perdeu: a rebelião contra o momento. Afinal, a poesia dos anos
70 veio, inclusive pagando alto tributo ao Piva de "Paranóia", dar o
golpe de misericórdia no preconceito sobre uma linguagem pouco
"nobre" na poesia. É aí que toda a
obra de Piva, coerente nos seus
influxos, merece mais atenção: Piva apresenta e rompe com uma
cidade agora inexistente e, ao perceber o naufrágio urbano, parte
para outra busca, de uma poesia e
existência "selvagem", com alto
teor místico e rebelde, mantendo
uma das suas maiores qualidades,
uma poesia ao mesmo tempo
transfiguradora e extremamente
calcada no mundo. Evoé, Piva.
Sérgio Cohn é poeta, autor de "Lábio dos
Afogados", e editor da revista "Azougue"
Avaliação:
Lançamento: "Paranóia", de Roberto
Piva (R$ 29), dia 13/4, às 20h30
Onde: Instituto Moreira Salles (r. Piauí,
844, tel. 0/xx/11/825-2560)
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