São Paulo, terça-feira, 04 de abril de 2000


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CRÍTICA
Obra erotiza cidade em cortes de videoclipe

SÉRGIO COHN
especial para a Folha

São Paulo, 1963. A recepção a "Paranóia" não poderia ser outra: espanto e um silêncio ressabiado. Afinal, Piva usava uma linguagem que parecia ser incompatível com a linguagem poética -palavrões, gírias- e misturava profanamente poesia e vida.
Os ágeis cortes cinematográficos criavam paralelo com uma arte que só 20 anos depois se infiltraria no Brasil: o videoclipe.
"Poema Lacrado": "a/diminuta peça teatral estreando para os alucinados/e as/crianças instalavam transatlânticos nas bacias/de água morna/Tarde de estopa carcomida/e pêssego c/ marshmallow no Lanches Pancho/meu pequeno estúdio invadido por meus amigos/bêbados/Miles Davis a 150 quilômetros por hora".
Em diálogo com as fotografias de Wesley Duke Lee (também cinematográfico), Piva apresenta e erotiza a cidade, fazendo uma ponte entre o modernismo mais radical e a contracultura ainda germinante. Chamá-lo de surrealista ou beat, nesse sentido, é uma redução inaceitável. É claro que Piva foi um leitor atento do surrealismo e, na primeira hora, da geração beat. Mas há muito mais nele, inclusive um extenso conhecimento da poesia brasileira, e uma filiação para certa tendência anticonformista dela. Como nas homenagens a Jorge de Lima e Mario de Andrade, e os diálogos diretos com Murilo Mendes.
Se a reedição do "Paranóia" assusta por sua extrema atualidade, nela está contida também o que se perdeu: a rebelião contra o momento. Afinal, a poesia dos anos 70 veio, inclusive pagando alto tributo ao Piva de "Paranóia", dar o golpe de misericórdia no preconceito sobre uma linguagem pouco "nobre" na poesia. É aí que toda a obra de Piva, coerente nos seus influxos, merece mais atenção: Piva apresenta e rompe com uma cidade agora inexistente e, ao perceber o naufrágio urbano, parte para outra busca, de uma poesia e existência "selvagem", com alto teor místico e rebelde, mantendo uma das suas maiores qualidades, uma poesia ao mesmo tempo transfiguradora e extremamente calcada no mundo. Evoé, Piva.


Sérgio Cohn é poeta, autor de "Lábio dos Afogados", e editor da revista "Azougue"

Avaliação:    

Lançamento: "Paranóia", de Roberto Piva (R$ 29), dia 13/4, às 20h30
Onde: Instituto Moreira Salles (r. Piauí, 844, tel. 0/xx/11/825-2560)


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