São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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Coca-Cola, Pepsi, McDonald's, Starbucks e Wal-Mart entram na disputa pelo mercado de músicas on-line

Embalada para viagem

Reuters
A cantora Britney Spears em gravação de comercial da Pepsi que foi ao ar nos EUA em fevereiro, no intervalo do Superbowl


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

THIAGO NEY
DA REDAÇÃO

"Hambúrguer, fritas, refrigerante. Aceita um download por 99 centavos?" Ficção? Num futuro bem mais próximo do que muitos imaginam, será assim que você irá comprar a sua música preferida.
Embaladas pela crescente difusão da venda de canções pela internet (ou por outros suportes digitais, como o telefone celular), companhias que até ontem pouco ou nada tinham a ver com o mercado da música estão cada vez mais interessadas nesse filão.
Com uma parceria iniciada no final de março entre Sony e McDonald's, a rede de lanchonetes investirá US$ 30 milhões para promover a venda digital de músicas do cardápio da gravadora.
No mês anterior, a Coca-Cola anunciou a criação de um site para venda de músicas para o Reino Unido, com um catálogo inicial de 250 mil faixas. Mais do que vender, a empresa lançou uma promoção em que os consumidores do refrigerante concorrem a downloads gratuitos nas embalagens de seus produtos.
Novidade? Desde 1º de fevereiro a concorrente Pepsi tem um acordo de distribuição de 100 milhões de músicas com a Apple, proprietária do mais popular serviço de venda digital da internet hoje, o iTunes. Uma em cada três tampinhas do refrigerante à venda nos EUA continha um código que dava ao consumidor o acesso gratuito ao download de uma canção.
Segundo reportagem da revista "Business Week", logo, logo consumidores -leia-se americanos e europeus, já que no Brasil problemas de infra-estrutura e de cobrança de direitos autorais ainda impedem a implantação desses serviços- estarão baixando suas músicas preferidas enquanto tomam um simples cafezinho.
A franquia de cafeterias Starbucks já está testando em uma loja de Santa Mônica (Califórnia) um sistema que permite aos clientes escolher as faixas (de vários artistas) de sua preferência e gravá-las num CD na própria loja. "Estamos entrando fundo nisso", disse Howard Schultz, diretor da rede Starbucks, em entrevista à "Business Week".
Também em março a maior rede de supermercados dos EUA, a Wal-Mart, entrou de cabeça na onda da música digital. E, como de concorrência eles entendem, tiraram 11 centavos de dólar no preço médio por música cobrado em outros sites: vendem cada canção por US$ 0,88. Bem-vindo ao hipermercado da música.
"Ninguém compra um CD pela marca da gravadora. Não existe um serviço de download da Sony ou da Universal, das "majors". Há outras marcas, caminhos paralelos. Se eu como no McDonald's, qual é o problema em comprar uma música ali?", diz Otavio Ribeiro, 32, professor de marketing de nichos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Para as gravadoras, portanto, a palavra-chave é "distribuição". "Isso é uma maravilha para mim. Tenho hoje McDonald's, Coca-Cola e Pepsi promovendo meu artista. Para que fazer isso sozinho? As pessoas não querem Sony Music, querem Roberto Carlos, Cidade Negra... Quanto mais canais venderem meus artistas, melhor", afirma Alexandre Schiavo, 35, vice-presidente de marketing artístico da Sony Music do Brasil.
Para as marcas, a palavra-chave é "experiência". "Nosso serviço oferece ao cliente mais escolhas de como experimentar e apreciar a música", disse à Folha Amy Colella, gerente de comunicação corporativa da Wal-Mart nos EUA.

Parcerias
Imersas em uma crise financeira da qual ainda lutam para saírem vivas, as gravadoras parecem ver com bons olhos os gordos investimentos. "Orçamentos milionários não existem mais. Quando assinamos com um artista novo, assinamos uma parceria. Acabou a história de a gravadora investir no disco, promover o artista e não ver um centavo de volta", defende Rodrigo Vieira, 39, vice-presidente de marketing da Universal.
Assim, se uma empresa como a Pepsi resolve investir milhões de dólares em downloads gratuitos ou em um comercial de TV de três minutos com Britney Spears, Pink, Beyoncé e Enrique Iglesias, não são elas, as gravadoras, que irão reclamar, não?
"Essas empresas sabem do poder que a música tem para atrair o consumidor pelo aspecto emocional. Esse é o grande barato do uso da música hoje", diz Schiavo.

Música x anúncios
Autor do documentário "The Merchants of Cool" (Os Mercadores do "Cool"), que analisa a estratégia de ramificação cultural das grandes corporações, especialmente para o mercado teen, o jornalista americano Douglas Rushkoff vai direto ao ponto: "Associar-se com a música é uma forma de desenvolver identidade de marca. Para a indústria musical, é um modo de gerar receita. Toda a música está lentamente se tornando puramente comercial -são literalmente anúncios".
Ribeiro, por outro lado, vê no fenômeno um indício de diversificação. "O raciocínio pobre é: é brinde. Estou dando um presente para o consumidor. Mas será que é só isso? A Sony é que está usando a capilaridade de distribuição do McDonald's ou é o McDonald's que está trabalhando sua marca dentro de outro universo? Acho que são as duas coisas."
Da mesma forma, engana-se quem pensa que a menina dos olhos da Apple seja o seu iTunes, que, com 50 milhões de down- loads em 11 meses de vida, concentra 70% das vendas de canções on-line nos EUA. "A Apple tem lucro muito pequeno com a venda de cada música. Um dos objetivos [do site] é a divulgação e a comercialização do iPod", afirma Tiago Ribeiro, especialista em sistemas da Apple, referindo-se aos aparelhos portáteis fabricados pela empresa, que reproduzem as canções vendidas no iTunes.
Um artigo publicado na semana passada pelo "The Wall Street Journal" coloca em perspectiva quem ganha e quem perde no novo negócio: do preço pago pelo consumidor por uma faixa, de 65% a 80% ficam com a gravadora; cerca de 20% vão para a administradora de cartão de crédito, além de hospedagem e manutenção do site. "Para um formato que apareceu há menos de um ano, os resultados são muito bons. Agora é que vai começar a guerra [entre os serviços]", avalia Vieira, da gravadora Universal.


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