São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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O coreógrafo Merce Cunningham, que se apresenta no Brasil em julho, discute sua obsessão infinita pelo movimento

Tempo esculpido

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

"É difícil colocar uma sogra num balé", disse Merce Cunningham, 84, para encerrar a conversa. Servia como síntese de quase uma hora de entrevista à Folha, feita na última terça-feira.
O coreógrafo que transformou a história da dança nas últimas cinco décadas -e que vem ao Brasil em julho, com apresentações no Rio, em São Paulo e em Porto Alegre- havia reafirmado sua preocupação quase obsessiva com a exploração do movimento, o que implica não colocá-lo a serviço de uma idéia, de um sentimento ou mesmo de um ideal de beleza.
Ele explica algumas conseqüências dessa obsessão, como a dissociação entre música e dança -nos espetáculos de Cunningham, elas coincidem na duração, mas uma não "governa" a outra.
Depois, o uso do computador para criar imagens que dançam com os bailarinos. Em "BIPED", que estará no repertório trazido no país, "bailarinos" eletrônicos são projetados numa tela transparente à frente do palco.
Cunningham, que, no ano passado, teve a ida ao Brasil cancelada por falta de patrocínio, estará com sua companhia em Porto Alegre em 2 de julho, em SP nos dias 6 e 7, e no Rio nos dias 10 e 11, para apresentar os espetáculos "Sounddance" e "BIPED".
A seguir, trechos da entrevista.

 

Folha - Por que dissociar a dança da música?
Merce Cunningham -
Era uma questão de uma não estar a serviço da outra, mais do que de estarem separadas. Já que são ambas artes no tempo, podem ser justapostas de maneira a provocar algo que não foi experimentado antes.

Folha - O que essa dissociação provoca?
Cunningham -
A maneira como cada pessoa se relaciona com o movimento, individualmente, em vez de ser guiada. Dá a cada espectador a oportunidade de experimentar a peça de sua própria maneira. Ninguém, na rua, reage de maneira igual ao que vê.

Folha - Por que dançar com música, então?
Cunningham -
Porque se você está na rua, ao mesmo tempo vê e escuta. Você não quer estar privado de nenhum dos dois. Decidimos que teríamos música, mas lidaríamos com ela dessa maneira.

Folha - Se o sr. não está preocupado em "guiar" o público, o que está apresentando a ele?
Cunningham -
A possibilidade de um novo tipo de experiência. De experimentar o mundo de maneira diferente. Trabalhamos desse modo também com a cenografia. Não dizemos ao cenógrafo o que fazer. Temos então a combinação de três elementos, e nenhum deles pode "governar" os outros dois. Temos a possibilidade de uma experiência que não poderia acontecer a não ser que eles fossem conjugados assim.

Folha - O sr. acha que esse tipo de experiência pode ser um entrave para a relação emotiva da platéia com a sua dança?
Cunningham -
Não creio. Depende dos indivíduos. Não digo a eles o que sentir, mas permito que sintam ou pensem em diferentes direções. O que notei ao longo dos anos é que a aceitação é maior agora. Há maior abertura para lidar com situações... É como o que acontece com a televisão: há um grande número de coisas acontecendo ao mesmo tempo. Isso não incomoda mais ninguém.

Folha - Se o sr. não está preocupado em narrar ou em determinar o que as pessoas vão sentir, imagino que não esteja interessado em expressar sentimentos pessoais.
Cunningham -
É possível. O fato é que, trabalhando dessa maneira, podemos alargar a experiência.

Folha - O que motivou o sr. a procurar inovar sempre?
Cunningham -
O movimento. Sempre fui fascinado por todo tipo de movimento. E há sempre algo novo para ser descoberto. Procuro oportunidades para "rever" as possibilidades dos movimentos, de outros pontos de vista. Como o uso do computador agora. Parto do princípio de que há sempre algo novo para ser descoberto.

Folha - Como o computador permite alargar os limites da dança?
Cunningham -
Oferece a chance de rever o movimento. Você pode vê-lo de qualquer ângulo, mudar a perspectiva rapidamente.

Folha - O sr. se importa com a beleza dos movimentos?
Cunningham -
O que é bonito? Algo que uma pessoa considera horrível outra pode achar belo. Acho que isso é um sentimento absolutamente pessoal.

Folha - Com o qual o sr. não está preocupado?
Cunningham -
Não.

Folha - Há algum pensador ou escritor, fora da dança, que tenha influenciado o sr.?
Cunningham -
Um deles é Einstein. Certa vez ele declarou: "Não há pontos fixos no espaço". Quando li isso, pensei: é perfeito para o palco, para o modo como o utilizamos.


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