|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O coreógrafo Merce Cunningham, que se apresenta no Brasil em julho, discute sua obsessão infinita pelo movimento
Tempo esculpido
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
"É difícil colocar uma sogra
num balé", disse Merce Cunningham, 84, para encerrar a conversa. Servia como síntese de quase
uma hora de entrevista à Folha,
feita na última terça-feira.
O coreógrafo que transformou a
história da dança nas últimas cinco décadas -e que vem ao Brasil
em julho, com apresentações no
Rio, em São Paulo e em Porto Alegre- havia reafirmado sua preocupação quase obsessiva com a
exploração do movimento, o que
implica não colocá-lo a serviço de
uma idéia, de um sentimento ou
mesmo de um ideal de beleza.
Ele explica algumas conseqüências dessa obsessão, como a dissociação entre música e dança
-nos espetáculos de Cunningham, elas coincidem na duração,
mas uma não "governa" a outra.
Depois, o uso do computador
para criar imagens que dançam
com os bailarinos. Em "BIPED",
que estará no repertório trazido
no país, "bailarinos" eletrônicos
são projetados numa tela transparente à frente do palco.
Cunningham, que, no ano passado, teve a ida ao Brasil cancelada por falta de patrocínio, estará
com sua companhia em Porto
Alegre em 2 de julho, em SP nos
dias 6 e 7, e no Rio nos dias 10 e 11,
para apresentar os espetáculos
"Sounddance" e "BIPED".
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Por que dissociar a dança
da música?
Merce Cunningham - Era uma
questão de uma não estar a serviço da outra, mais do que de estarem separadas. Já que são ambas
artes no tempo, podem ser justapostas de maneira a provocar algo
que não foi experimentado antes.
Folha - O que essa dissociação
provoca?
Cunningham - A maneira como
cada pessoa se relaciona com o
movimento, individualmente, em
vez de ser guiada. Dá a cada espectador a oportunidade de experimentar a peça de sua própria
maneira. Ninguém, na rua, reage
de maneira igual ao que vê.
Folha - Por que dançar com música, então?
Cunningham - Porque se você está na rua, ao mesmo tempo vê e
escuta. Você não quer estar privado de nenhum dos dois. Decidimos que teríamos música, mas lidaríamos com ela dessa maneira.
Folha - Se o sr. não está preocupado em "guiar" o público, o que está
apresentando a ele?
Cunningham - A possibilidade
de um novo tipo de experiência.
De experimentar o mundo de maneira diferente. Trabalhamos desse modo também com a cenografia. Não dizemos ao cenógrafo o
que fazer. Temos então a combinação de três elementos, e nenhum deles pode "governar" os
outros dois. Temos a possibilidade de uma experiência que não
poderia acontecer a não ser que
eles fossem conjugados assim.
Folha - O sr. acha que esse tipo de
experiência pode ser um entrave
para a relação emotiva da platéia
com a sua dança?
Cunningham - Não creio. Depende dos indivíduos. Não digo a eles
o que sentir, mas permito que sintam ou pensem em diferentes direções. O que notei ao longo dos
anos é que a aceitação é maior
agora. Há maior abertura para lidar com situações... É como o que
acontece com a televisão: há um
grande número de coisas acontecendo ao mesmo tempo. Isso não
incomoda mais ninguém.
Folha - Se o sr. não está preocupado em narrar ou em determinar o
que as pessoas vão sentir, imagino
que não esteja interessado em expressar sentimentos pessoais.
Cunningham - É possível. O fato
é que, trabalhando dessa maneira,
podemos alargar a experiência.
Folha - O que motivou o sr. a procurar inovar sempre?
Cunningham - O movimento.
Sempre fui fascinado por todo tipo de movimento. E há sempre algo novo para ser descoberto. Procuro oportunidades para "rever"
as possibilidades dos movimentos, de outros pontos de vista. Como o uso do computador agora.
Parto do princípio de que há sempre algo novo para ser descoberto.
Folha - Como o computador permite alargar os limites da dança?
Cunningham - Oferece a chance
de rever o movimento. Você pode
vê-lo de qualquer ângulo, mudar
a perspectiva rapidamente.
Folha - O sr. se importa com a beleza dos movimentos?
Cunningham - O que é bonito?
Algo que uma pessoa considera
horrível outra pode achar belo.
Acho que isso é um sentimento
absolutamente pessoal.
Folha - Com o qual o sr. não está
preocupado?
Cunningham - Não.
Folha - Há algum pensador ou escritor, fora da dança, que tenha influenciado o sr.?
Cunningham - Um deles é Einstein. Certa vez ele declarou: "Não
há pontos fixos no espaço".
Quando li isso, pensei: é perfeito
para o palco, para o modo como o
utilizamos.
Texto Anterior: Microsoft prepara-se para a "guerra" Próximo Texto: Coreógrafo cria com computador Índice
|