São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

A novela que todos amam detestar

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Há uma espécie de campanha contra a novela das oito. A heroína é chata, dizem. A malvada é ridícula, também dizem. A trama é cheia de falhas e absurdos, afirmam. Gilberto Braga está reciclando idéias desgastadas, acrescentam. Até aqui, nenhuma novidade, pois não há nada de muito específico nessas alfinetadas.
Em qualquer novela, as personagens do bem tendem a ser mais aborrecidas do que as do mal, que, por sua vez, correm o risco de parecerem caricatas a certa altura da trama e, numa obra seriada diária, a trama se esgarça com alguma facilidade para sustentar um roteiro que, afinal, gira em torno de algumas constantes. Ou seja, aquilo que se diz de Gilberto Braga e de "Celebridade" é o que se poderia dizer de qualquer novela.
Apontar essa certa inespecificidade nos reparos feitos à novela de Braga não significa deixar de reconhecer que há lá algo que soa irritante, quase impertinente. Talvez nem tanto por parte da audiência em geral -uma vez que ela vai indo bem de ibope e, na semana passada, atingiu picos de 54 pontos no capítulo em que nasce o bebê de Maria Clara (Malu Mader)- e mais da opinião que vai se cristalizando em torno, "Celebridade" é a novela que todos amam detestar.
O incômodo talvez venha do fato que Braga se coloque numa posição excessivamente "autoral", o que deixa o espectador à mercê dos seus caprichos, sem o menor domínio sobre a história. É como se ele se arrogasse liberdade demais para manejar os elementos que compõem a trama -o perfil psicológico dos personagens, os ardis, os equívocos, as justificativas, as guinadas, os erros de julgamento-, sem muita consideração ao que parece ser "razoável".
Cobra-se da ficção que ela vá de encontro a uma série de expectativas e que não exija muito da imaginação. Há uma preguiça, uma desconfiança e, por vezes, uma certa dificuldade de compreensão em relação à ficção que faz com que se estabeleça uma fronteira algo rígida entre aquilo que se permite ou não ao autor. Em contraste com a invencionice do noveleiro, a previsibilidade do "reality show", que, ainda bem, acaba logo, logo, é muito mais reconfortante.
Não que não haja problemas em "Celebridade"; há os de sempre das novelas -a falta de originalidade, a canastrice dos atores, a repetição de fórmulas-, acrescidos de alguns novos, como a frouxidão na direção, que deixa uma sensação de improviso e alguns tropeços no desenvolvimento de determinados personagens.
De alguma forma, o que torna "Celebridade" uma novela menor, por exemplo, do que "Vale Tudo", só para ficar no mesmo autor, é menos a invencionice algo desmedida de Braga do que a inadequação de seu estilo ao atual "padrão de qualidade".


@ - biabramo.tv@uol.com.br


Texto Anterior: Programação: Semana Santa dos canais de TV paga começa hoje e dura nove dias
Próximo Texto: As telas da novela
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.