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MARCELO COELHO
O triunfo da picaretagem
Tive esperança de ganhar na Mega-Sena. Dado o meu negativismo, desmentiria "O
Segredo"
NÃO CONSEGUI ver mais que
dez minutos de "O Segredo",
DVD de auto-ajuda que mereceu uma ruidosa capa na "Veja"
desta semana, além de boa dose de
crítica nas páginas internas da revista. A idéia do documentário, até onde pude acompanhar, parece ser a
de que se você quiser muito, mas
muito mesmo, ganhar na Mega-Sena, isso vai acabar acontecendo. Se
não acontecer, é porque você não teve fé o suficiente.
Desse modo, mesmo o insucesso
das estratégias propostas no DVD
termina confirmando, se quisermos, a tese original -e aos céticos
nada mais resta do que ridicularizar
a tese, sem ter como provar o seu absurdo. Pode-se apenas (e como são
fracas as luzes da razão!) dizer que
uma teoria dessas não tem nenhuma consistência científica, pormenor que não interessa minimamente a seus adeptos.
Acalentei por alguns instantes a
esperança de ganhar, eu mesmo, na
Mega-Sena. Seria, dado o meu negativismo, um desmentido enfático às
teorias do DVD. Mas é claro que não
funciona assim.
Meu negativismo seria visto como
uma simples película de auto-engano a recobrir meu intenso poder de
realização espiritual. E, se não for o
meu, há de ser o da nora que eu nunca tive, e que talvez nem tenha nascido ainda, mas que já está em algum
lugar cuidando do patrimônio dos
meus netos no futuro.
Não adianta pensar muito sobre o
caso. Acho apenas curioso que só
agora, depois de muitas décadas de
livros de auto-ajuda, esse tipo de coisa tenha passado para a linguagem
audiovisual. Apesar de cético, sou
moderadamente otimista. Espero
que os DVDs de auto-ajuda terminem diminuindo a quantidade de livros a respeito, deixando a página
impressa um pouco menos carregada de tanta empulhação.
O problema, sem dúvida, é que os
livros têm ainda certa vantagem
nesse mercado. Um documentário
impressiona mais e exige menos esforço cerebral para ser absorvido;
entretanto, esquece-se com facilidade. E a auto-ajuda depende de muita
repetição. É necessário que nossa
voz interior repita, a cada parágrafo,
os truísmos publicados; auto-ajuda
é auto-convencimento, e dificilmente um DVD terá esse poder.
Um livro ainda guarda, talvez, certa credibilidade intelectual que filmes e programas televisivos não
possuem; nestes, a ficção predomina e os efeitos visuais podem, por si
mesmos, substituir a imaginação do
espectador. Já a palavra, quando escrita, quando transmitida do rádio
ou do púlpito, mobiliza melhor a
crença de cada um. Expectativas,
medos e projetos correm melhor em
nossa mente se não carregarem consigo imagens concretas. Afinal, trata-se de invocar o futuro, que não
tem forma definida.
Mesmo assim, o DVD é um su-
cesso. Se a auto-ajuda tinha até
agora mais afinidade com o livro impresso, tudo indica que os tempos
estão mudando e que, para adotar
um tom profético, o fim das livrarias
de shopping está mais próximo do
que nunca.
Enquanto isso (volto ao meu otimismo básico) parece haver sinais
de alguma reação por parte dos defensores da ciência e do racionalismo. O livro de Richard Dawkins,
"The God Delusion", está para ser
traduzido no país de frei Galvão.
Outro livro corajoso acaba de ser
publicado pela editora Record. Trata-se de "Como a Picaretagem Conquistou o Mundo", do jornalista britânico Francis Wheen. Ele é dos tais
que, com razão, encontra mistifórios e lorotas ("mumbo-jumbo" é o
termo do original inglês) onde quer
que ponha os olhos.
O primeiro capítulo ataca os mitos
econômicos da era Reagan; o segundo investe contra Hillary Clinton
(que teve conversas espíritas com
Gandhi) e Tony Blair (que se entregou a rituais mágicos no México).
O livro de Wheen traz a auto-ajuda de que todo racionalista andava
precisando nos últimos tempos. O
problema é que a agressividade de
Francis Wheen, além de pregar aos
convertidos, mistura tudo no mesmo saco: Deleuze e Deepak Chopra,
desconstrucionistas e contestadores do Holocausto, todos são tratados com igual velocidade, incompletude de argumentos e humor bastante pesado.
Nessa linha, o melhor é ficar com
um livro mais antigo, informativo e
bem dosado na ironia: "Ilusões Populares e a Loucura das Massas", de
Charles Mackay (1814-1889). Foi
publicado originalmente em 1841 e
saiu no Brasil, pela Ediouro, em
2001, isto é, 160 anos depois. Como
eu disse, não se deve perder nunca
a esperança.
coelhofsp@uol.com.br
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