SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Esperando por Harvey", produção da inglesa BBC, se autodefine "um guia de Cannes para iniciantes". O narrador do programa, atração de hoje no Eurochannel, observa: os 4.000 jornalistas que cobrem anualmente o Festival de Cannes, a mais importante das mostras de cinema, estão interessados nos "grandes jogadores -os ricos, famosos, bonitos".
Aqui, importa avistar o outro lado da moeda, com certa ironia manifesta desde o título. O Harvey em questão é o todo-poderoso diretor dos estúdios Miramax. Harvey Weinsten é figura já lendária na indústria do cinema, pelos modos arrogantes e o poder de erguer e destruir coisas belas.
O fato é que quase todo aspirante a astro da direção deseja cair nas graças de Weinstein. Em "Esperando por Harvey", o norte-americano James Merendino encarna essa busca, com um fervor que fará o espectador se indagar se, no mundo do cinema, os não-ricos, não-famosos e não-bonitos são necessariamente chatos.
Merendino tenta vender no Mercado do Filme -comércio paralelo às mostras e competições oficiais- seu sétimo título, sobre a cena punk dos 80.
O mercado é também o destino de dois outros personagens, vindos da Inglaterra -Mike Hakata, diretor de "Two Bad Mice", e Stephen Loyd, autor do roteiro "Amsterdam".
Para promover seu filme, Hakata faz coisas como escrever nas ruas de Cannes: "Sua mãe vai odiar "Two Bad Mice'". E Loyd cria seu factóide ao reagir à abordagem da polícia francesa pintando um círculo e um xis vermelhos nas folhas de maconha das camisetas e do caminhão com os quais circulava pela Croisette.
O contraponto aos aspirantes fica com o francês Erick Zonka que, naquele 1998, competia pela Palma de Ouro com seu primeiro longa, "A Vida Sonhada dos Anjos". Talvez o aspecto mais interessante de "Esperando por Harvey" seja o contraste entre Zonka e os demais personagens, no registro preciso de como "a indicação para competir em Cannes faz de um cineasta desconhecido uma celebridade instantânea".