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São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2003

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REFORMA TRIBUTÁRIA AMEAÇA LEIS DE INCENTIVO

Cultura enxuta

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Para fazer "A Paixão de Jacobina", Fábio Barreto captou R$ 1.442.667 com leis estaduais de incentivo no RS
 
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O grupo teatral Galpão, de "A Rua da Amargura", conseguiu R$ 200 mil em Minas Gerais



Projeto aprovado pode retirar até R$ 166 milhões dos Estados que abatem valores de patrocínio do ICMS


ISRAEL DO VALE
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A reforma tributária pode ter efeito devastador sobre as leis estaduais de incentivo à Cultura. A proposta do governo federal aprovada na última quinta pela Comissão de Constituição e Justiça do Congresso (CCJ) não só impede a criação de leis apoiadas no abatimento de ICMS, mas extingue paulatinamente as existentes.
Sua última baldeação antes da votação na Câmara e no Senado é pela comissão especial, a ser instalada nesta semana. Se for adiante como está, um montante estimado em até R$ 166 milhões deixaria de circular pelos 16 Estados em que a legislação permite o patrocínio a partir do abatimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Esse valor supera em um quarto o orçamento de 2003 do Ministério da Cultura -pouco inferior a R$ 130 milhões. Equivale a mais que o dobro dos R$ 66 milhões de que o governo federal dispõe este ano para o Fundo Nacional de Cultura -mecanismo de investimento direto (sem necessidade de captação posterior) focado no atendimento de demandas regionais e de manifestações sem apelo de mercado.
O problema foi apresentado, há poucos dias, em encontro dos secretários da Fazenda dos Estados em Brasília. É unânime que as leis de incentivo merecem tratamento à parte. "Do jeito que está, as leis serão extintas", diz Albérico Mascarenhas, coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz (que congrega os 27 secretários da Fazenda do país), e titular da pasta na Bahia.
Embora as leis estaduais não estejam sob alçada do governo federal, sua extinção pode afetar um dos principais pilares da política defendida pelo ministro Gilberto Gil: a regionalização da produção, base da implantação do Sistema Nacional de Cultura (SNC) defendido pelo PT em seu programa.
"O financiamento público da cultura é uma das pernas do SNC, e ele não pode ficar apenas no plano federal", diz Paulo Miguez, assessor especial do MinC e braço direito de Gil. Em viagem, o ministro não pôde ser contatado.
Mesmo com o reconhecimento do "impacto negativo" da medida na produção cultural, Miguez é cauteloso ao comentar a proposta em tramitação. "O MinC é solidário com o projeto de reforma tributária enviado ao Congresso", diz. "Mas esse é um dado novo para o ministério." Os prazos são pouco favoráveis. Os esforços do governo voltam-se para a votação das reformas até agosto, na volta do recesso dos congressistas -ou mesmo em julho, caso haja convocação extraordinária. Haveria, desse modo, menos de dois meses para que o quadro se definisse.
Se depender dos secretários de Fazenda, os retoques virão. "Encomendamos um estudo à equipe técnica que assessora os secretários e proporemos alterações ao governo", diz Mascarenhas, referindo-se ao GT47, grupo de trabalho do Confaz. "A continuidade das leis estaduais é uma preocupação dos secretários. Vamos discutir a forma de fazer isso."
E o MinC se engajaria para alterar a proposta? Para Miguez, "qualquer problema no projeto de reforma precisa ser consertado primeiro dentro da área econômica" do governo. "Nenhum outro ministro se empenhará em propor alterações a um projeto que é consensual sem que elas sejam discutidas internamente." A manutenção da situação como é hoje atende a interesses dos governos estaduais.
A maior parte das leis prevê o uso de um percentual da verba de renúncia do ICMS por órgãos vinculados aos Estados. No caso de Minas Gerais, por exemplo, fundações e institutos ligados ao governo podem consumir até 35% dos recursos anuais. O teto de uso da verba em proveito próprio pelo governo chega a 50% em Estados como Mato Grosso do Sul.
Caso o projeto se mantenha como está, só o Rio deixaria de movimentar cerca de R$ 25 milhões por ano, considerada a previsão para 2003. São Paulo, com mecanismo similar, mas ainda inativo, não veria sua lei em funcionamento -caso parecido com os do Pará, Piauí e Paraná, submetidas a ajustes jurídicos.
Para o relator do projeto na CCJ, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), a supressão de incentivos baseados em ICMS no projeto visa a "coibir situações de especulação".
Para ele, "se o Estado retirar este tipo de instrumento vai ter que suprir com outro. Não adianta remar contra o vento: criar algo insustentável é rasgar a Constituição." Mas reconhece que as implicações na área cultural passaram despercebidas até o momento. "Ninguém tocou neste assunto."


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