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TEATRO - CRÍTICA
Antunes traz a tragédia da guerra ao século 20
NELSON DE SÁ
enviado especial a Istambul
"Fragmentos Troianos", montagem de Antunes Filho para a tragédia pacifista de Eurípides, "As
Troianas", estreou anteontem em
Istambul, na Turquia, para uma
platéia lotada e que aplaudiu longamente.
Mas os espectadores, em sua
maioria intelectuais e estudantes
turcos e estrangeiros, não se mostraram especialmente tocados pelas referências políticas do espetáculo às guerras étnicas nos Bálcãs e
na própria Turquia.
Em contraste com "As Troianas"
encenada pelo diretor romeno-americano Andrei Serban e apresentada com impacto em São Paulo há seis anos, a nova montagem
evita deliberadamente a exuberância, a festa, em favor de uma certa
contrição. Evita a grandiosidade
da mise-en-scène, da iluminação,
em troca do gesto mínimo, dos
olhares desenhados, da voz engasgada.
A encenação segue, de certa maneira, o caminho aberto por "Prêt-à-Porter", peça anterior do grupo
Macunaíma, "coordenada" por
Antunes: são inúmeros quadros,
cada um com desenvolvimento
próprio, diferenciado na interpretação, na marcação/coreografia,
por vezes nos cantos corais -estes
sempre em "fonemol", a língua
sem sentido usada pelo diretor
desde o início da década.
Nos ápices de cada cena, "Fragmentos Troianos" namora o patético, o ridículo trágico.
O momento em que alcança
maior êxito nessa busca, não à toa,
é também a grande passagem de
toda a peça.
Vencedores da guerra de Tróia,
os gregos cercam as viúvas troianas para tirar o filho de Andrômaca, último troiano vivo e herdeiro
do trono. O coro de troianas tenta
proteger a jovem mãe, mas os
guerreiros acabam abrindo caminho entre o amontoado de mulheres -e o arauto Tautíbio penetra
para arrancar o bebê.
Enquanto a criança (um boneco)
é levada para ser jogada do alto das
muralhas, o coro de troianas entra
em histeria -e a peça abandona o
que pudesse restar de realismo, entrando pelo patético: elas rolam
pelo palco, levantam-se e voltam a
rolar várias vezes, do fundo para a
boca de cena.
É a imagem do desespero das
mães troianas, em coro tornadas
"mater dolorosa", como já se escreveu sobre Hecuba, a rainha destronada de Tróia.
As cenas todas de "Fragmentos",
não apenas essa, são fortemente
coreografadas, com metáforas visuais bem definidas, o que é próprio de Antunes.
Em tais desenhos, destaca-se
quase sempre a figura alta, longilínea, de rosto expressivo, sublinhado pelo figurino, de Sabrina Greve,
que faz Andrômaca. Por outro lado, ela sobressai por conseguir
usar as diversas indicações formais
do papel -de voz, postura, andar- em favor de sua atuação, que
é exterior, voltada para fora, para o
público.
Como Hecuba, a atriz Gabriela
Flores, levada pelas mesmas exigências formais, mas ainda mais
constrangida por figurino e maquiagem, vai em caminho oposto,
atuando para dentro, para baixo,
mas com espasmos da grande intérprete entrevista em "Prêt-à-Porter".
O encenador Antunes Filho cuidou de trazer "As Troianas" para o
século 20 na cenografia, nos figurinos, nas marcações -ainda que
muito inspirado no texto de Eurípides.
As troianas, assim, apresentam
sinais de todas as mulheres "asiáticas", como vai o texto, sejam judias
da Segunda Guerra Mundial ou
muçulmanas hoje, sempre viúvas
da intolerância étnica. Os guerreiros gregos, de seu lado, podem ser
alemães ou norte-americanos, mas
serão sempre opressores do Ocidente.
A cenografia, além do telão ao
fundo que aproxima a destruidora
Palas Atena da Estátua da Liberdade, traz cercas da Bósnia em meio a
muralhas troianas, que se confundem com as construções dos campos de concentração. Nos figurinos, vestes muçulmanas se mesclam harmoniosamente aos pesados casacos de inverno das judias
polonesas.
Avaliação:
O jornalista
Nelson de Sá viajou a convite do
festival de Istambul.
O colunista
José Simão está em férias.
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