São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002

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TEATRO

"Frankenstein" é um alinhavo de equívocos

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Uma maldição paira sobre "Frankenstein". Um dos romances mais fascinantes da modernidade, o texto parece condenado a cair na paródia sempre que adaptado para o cinema e para o teatro.
Ler a versão original, da escritora inglesa Mary Shelley, é descobrir um universo totalmente novo, o romance de formação de Vítor Frankenstein, protótipo do criador, sem assistente corcunda ladrão de cadáveres -o indefectível "Igor" do cinema.
A criatura por sua vez não tem nada do idiota psicopata consagrado por Boris Karloff. Aprendeu a ler por conta própria, com um exemplar do "Paraíso Perdido" de Milton, e vai ao encontro de seu criador para exigir, entre Adão e Lúcifer, a sua Eva. Vítor repugna criar uma nova espécie -tabu presente nas atuais leis sobre biotecnologia-, e a criatura, condenada a viver na solidão, passa a destruir todos os que a estigmatizam.
Junto com a atualíssima discussão sobre a ética na ciência, o romance é uma fonte inesgotável de temas sociais -a criatura seria a concepção de Shelley sobre a Revolução Francesa; por outro lado, o "novo homem" monstruoso é retratado no estatuário nazi-fascista-stalinista-, além de elementos psicológicos que antecipam Freud (enquanto espera sua criatura reviver, Vítor sonha que faz sexo com o cadáver de sua mãe!).
Um ousado e inédito material à disposição de quem queira se arriscar a contornar o tom algo empolado da época e compor a narrativa entre a metáfora e o suspense.
Esta versão adaptada e dirigida por Reinaldo Maia cai, no entanto, em todas as armadilhas. Anunciada como leitura sociopolítica, começa bem, com o pesadelo de Vítor, mas, antes que se possa ter qualquer aproximação com a história, vem um longo vídeo "distanciador" com reflexões teóricas que caberiam no debate após o espetáculo, mas não em substituição a ele.

À deriva
Guiados apenas por um fiapo de trama, os atores vão à deriva. Sem conflitos, tendo sempre de proclamar sentimentos-clichês à platéia, apóiam-se em risadas canastrônicas e retardam melodramaticamente as marcas.
O "clima" é segurado pela trilha óbvia, e o cenário, despojado, em uma peça de ações precárias acaba resultando também precário. Interessantes documentários nazistas, na forma de vinhetas em vídeo, têm de ser costurados à trama pela boa vontade do público; porém, quando Igor surge em cena, e mais ainda, quando a criatura é uma moça de biquíni, a paciência se esgota. Não importa mais que sejam citados trechos do romance durante o conflito entre criador e criatura, ou o monólogo de Ofélia (???) por Igor (!!!). O grotesco já resvalou definitivamente para o paródico.
O grupo Folias d'Arte é uma referência do teatro experimental e saudavelmente assume riscos. Principalmente por respeito a isso, é preciso assinalar quando comete erros. O espetáculo "Frankenstein" é uma experiência que não deu certo.


Frankenstein  
Adaptação: Reinaldo Maia
Direção: Reinaldo Maia
Com: Valdir Rivaben, Gisele Valeri, Janaína Peresan
Onde: Galpão do Folias (r. Ana Cintra, 213, Santa Cecília, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/3361-2223)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h; até 29/9
Quanto: R$ 15




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