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TEATRO
"Frankenstein" é um alinhavo de equívocos
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Uma maldição paira sobre
"Frankenstein". Um dos romances mais fascinantes da modernidade, o texto parece condenado a cair na paródia sempre
que adaptado para o cinema e para o teatro.
Ler a versão original, da escritora inglesa Mary Shelley, é descobrir um universo totalmente novo, o romance de formação de Vítor Frankenstein, protótipo do
criador, sem assistente corcunda
ladrão de cadáveres -o indefectível "Igor" do cinema.
A criatura por sua vez não tem
nada do idiota psicopata consagrado por Boris Karloff. Aprendeu a ler por conta própria, com
um exemplar do "Paraíso Perdido" de Milton, e vai ao encontro
de seu criador para exigir, entre
Adão e Lúcifer, a sua Eva. Vítor
repugna criar uma nova espécie
-tabu presente nas atuais leis sobre biotecnologia-, e a criatura,
condenada a viver na solidão,
passa a destruir todos os que a estigmatizam.
Junto com a atualíssima discussão sobre a ética na ciência, o romance é uma fonte inesgotável de
temas sociais -a criatura seria a
concepção de Shelley sobre a Revolução Francesa; por outro lado,
o "novo homem" monstruoso é
retratado no estatuário nazi-fascista-stalinista-, além de elementos psicológicos que antecipam Freud (enquanto espera sua
criatura reviver, Vítor sonha que
faz sexo com o cadáver de sua
mãe!).
Um ousado e inédito material à
disposição de quem queira se arriscar a contornar o tom algo empolado da época e compor a narrativa entre a metáfora e o suspense.
Esta versão adaptada e dirigida
por Reinaldo Maia cai, no entanto, em todas as armadilhas.
Anunciada como leitura sociopolítica, começa bem, com o pesadelo de Vítor, mas, antes que se possa ter qualquer aproximação com
a história, vem um longo vídeo
"distanciador" com reflexões teóricas que caberiam no debate
após o espetáculo, mas não em
substituição a ele.
À deriva
Guiados apenas por um fiapo de
trama, os atores vão à deriva. Sem
conflitos, tendo sempre de proclamar sentimentos-clichês à platéia, apóiam-se em risadas canastrônicas e retardam melodramaticamente as marcas.
O "clima" é segurado pela trilha
óbvia, e o cenário, despojado, em
uma peça de ações precárias acaba resultando também precário.
Interessantes documentários nazistas, na forma de vinhetas em vídeo, têm de ser costurados à trama pela boa vontade do público;
porém, quando Igor surge em cena, e mais ainda, quando a criatura é uma moça de biquíni, a paciência se esgota. Não importa
mais que sejam citados trechos do
romance durante o conflito entre
criador e criatura, ou o monólogo
de Ofélia (???) por Igor (!!!). O grotesco já resvalou definitivamente
para o paródico.
O grupo Folias d'Arte é uma referência do teatro experimental e
saudavelmente assume riscos.
Principalmente por respeito a isso, é preciso assinalar quando comete erros. O espetáculo "Frankenstein" é uma experiência que
não deu certo.
Frankenstein
Adaptação: Reinaldo Maia
Direção: Reinaldo Maia
Com: Valdir Rivaben, Gisele Valeri,
Janaína Peresan
Onde: Galpão do Folias (r. Ana Cintra,
213, Santa Cecília, São Paulo, tel. 0/xx/
11/3361-2223)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às
20h; até 29/9
Quanto: R$ 15
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