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EXPOSIÇÃO
Mostra de Fernando Lemos verte surrealismo em política e poesia
EDER CHIODETTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"À Sombra da Luz - À Luz
da Sombra", mostra do
fotógrafo, pintor e artista gráfico
português Fernando Lemos, 78,
em exibição na Pinacoteca do Estado, recupera o instante em que a
estética surrealista deu asas para
que a fotografia rompesse com o
realismo e, de quebra, servisse para se contrapor a um regime político obscurantista.
As 118 fotografias que integram
a exposição foram realizadas por
Lemos entre 1949 e 1952, sob a ditadura de Salazar. Segundo o próprio Lemos, suas maiores influências foram as obras do pintor surrealista Max Ernst (1891-1976), o
cinema expressionista alemão e,
sobretudo, o francês Marcel Duchamp (1887-1968).
A maior parte das imagens são
constituídas por retratos do grupo artístico que atuava em Lisboa
na época, como o poeta Alexandre O'Neill, o escritor Jorge de Sena e o ator Augusto de Figueiredo,
entre outros. Lemos desenvolveu
uma técnica com a qual era possível obter, no mesmo negativo,
mais de uma imagem que podiam
ser superpostas ou não. Dessa forma o personagem fotografado
aparece no mesmo campo visual
mais de uma vez e em situações
distintas.
Tal operação, além de explicitar
a complexidade da personalidade
de cada pessoa, dando-lhe variadas feições, finda também por exterminar o mito do momento
único na fotografia. O que vemos
não é mais a apreensão de um instante, mas sim a somatória de vários momentos. O hiato de tempo
entre uma pose e outra se incorpora ao trabalho criando uma instabilidade no vocábulo fotográfico. Como escreve Paulo Herkenhoff, diretor do Museu Nacional
de Belas Artes, em texto no catálogo da mostra, "a fotomontagem
interrompe o tempo exterior e interior da imagem fotográfica; retalha, reconfigura ou traumatiza o
espaço externo trazido para a
imagem."
Além dos retratos, a experimentação de Lemos alçou vôos sobre
outros temas, sempre com a clara
intenção de camuflar o conteúdo
manifesto das coisas do mundo
para revelar uma percepção mais
arguta e menos conformada, como na inquietante imagem "Intimidade dos Armazéns do Chiado", que abre a mostra da Pinacoteca. Nessa fotografia vê-se a cabeça de um manequim sobre uma
mesa com vários braços pendurados no teto.
Exposta em Lisboa em 1952, numa loja de móveis e decoração, a
cabeça decepada e os braços imóveis soavam como um libelo anti-Salazar. A fina e contundente ironia não passou despercebida e virou caso de polícia com manifestação de comerciantes locais pela
proibição da mostra. O apego dos
surrealistas pelo inconsciente encontrava, enfim, uma prosaica releitura político-ideológica.
A alma de artista de Lemos, porém, não se conteve nessas questões e a poesia dominou parte de
sua diminuta, mas profícua, produção fotográfica, praticamente
interrompida após 1952, quando
migrou para o Brasil.
O resgate da obra extemporânea de Fernando Lemos, que não
era exposta no Brasil há 50 anos, é
um dos bons e raros momentos
da fotografia neste ano. O artista
define assim seu ressurgimento:
"Passados 50 anos, sinto-me agora como o transgressor clássico
que volta ao lugar do crime."
À Sombra da Luz - À Luz da
Sombra
Autor: Fernando Lemos
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz,
2, tel. 0/xx/11/229-9844)
Quando: De ter. a dom., das 10h às 18h
(até 22/8)
Quanto: R$ 4 (grátis aos sábados)
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