São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2006

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Crítica/cinema

"Zuzu Angel" troca fala por discurso

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Trabalhar com personagens reais e reconstituição de época se tornou algo familiar para o diretor e roteirista Sergio Rezende desde a recriação da carreira do político Tenório Cavalcanti em "O Homem da Capa Preta" (86).
Depois, vieram o ex-militar e líder terrorista Carlos Lamarca em "Lamarca" (94), o chefe religioso Antônio Conselheiro em "Guerra de Canudos" (97) e o empresário Irineu Evangelista de Sousa em "Mauá: O Imperador e o Rei" (99). "Zuzu Angel" perfila-se de modo harmônico ao lado deles.
São figuras de intensa carga dramática cujas biografias permitem que se examine também o tempo em que viveram, com base na idéia de que histórias de vida conduzem naturalmente à história do país. Além do sexo, a principal diferença entre Zuzu Angel (1921-76) e os demais é que a estilista se tornou protagonista involuntária dos episódios reconstituídos. Desejava cuidar da família e da carreira, mas precisou enfrentar a ditadura para tentar salvar o filho.
Ao desenhar a personagem, Rezende e o co-roteirista Marcos Bernstein acentuam esse traço, o do chamado ao qual mãe nenhuma diria não. Cabe a Patrícia Pillar desempenhar quase sozinha o papel que coube, na Argentina, a movimentos de mães e avós de desaparecidos: assinalar a brutalidade do regime, expor o rosto das vítimas e cobrar providências. A familiaridade com os procedimentos de adaptação de fatos verídicos não evita, contudo, que o filme reitere características habituais (e discutíveis) de cinebiografias. A solenidade histórica, por exemplo.
Os diálogos são muitas vezes substituídos por discursos. É possível argumentar que a militância política envolve sempre quem fale à mesa durante uma refeição como se estivesse num palanque, mas, a exemplo do que ocorria em "Olga", a recorrência parece ligada a um conceito duvidoso de tratamento dramatúrgico de personagens notáveis, como se tudo o que fizessem e dissessem precisasse carregar grandeza.
Quando o filme começa, Zuzu teme pela morte e escreve uma carta que atribui ao governo a responsabilidade por algo que lhe aconteça -encenação extremamente solene, por sinal. Em flashbacks, entende-se o que aconteceu para levá-la até aquele ponto de onde não parece haver retorno.
A opção pelas idas e vindas no tempo, em oposição à reconstituição linear, serve ao clima de suspense que já havia em "O Homem da Capa Preta" e "Lamarca". Aqui, no entanto, os saltos às vezes se assemelham a solavancos, como se a história de Zuzu precisasse ser revivida de acordo com uma estrutura preconcebida.


ZUZU ANGEL   
Direção: Sergio Rezende
Produção: Brasil, 2006
Com: Patrícia Pillar, Daniel de Oliveira
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Interlagos e circuito


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