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Crítica/cinema
"Zuzu Angel" troca fala por discurso
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Trabalhar com personagens reais e reconstituição de época se tornou
algo familiar para o diretor e roteirista Sergio Rezende desde a
recriação da carreira do político Tenório Cavalcanti em "O
Homem da Capa Preta" (86).
Depois, vieram o ex-militar e
líder terrorista Carlos Lamarca
em "Lamarca" (94), o chefe religioso Antônio Conselheiro
em "Guerra de Canudos" (97) e
o empresário Irineu Evangelista de Sousa em "Mauá: O Imperador e o Rei" (99).
"Zuzu Angel" perfila-se de
modo harmônico ao lado deles.
São figuras de intensa carga
dramática cujas biografias permitem que se examine também
o tempo em que viveram, com
base na idéia de que histórias
de vida conduzem naturalmente à história do país.
Além do sexo, a principal diferença entre Zuzu Angel
(1921-76) e os demais é que a
estilista se tornou protagonista
involuntária dos episódios reconstituídos. Desejava cuidar
da família e da carreira, mas
precisou enfrentar a ditadura
para tentar salvar o filho.
Ao desenhar a personagem,
Rezende e o co-roteirista Marcos Bernstein acentuam esse
traço, o do chamado ao qual
mãe nenhuma diria não. Cabe a
Patrícia Pillar desempenhar
quase sozinha o papel que coube, na Argentina, a movimentos de mães e avós de desaparecidos: assinalar a brutalidade
do regime, expor o rosto das vítimas e cobrar providências.
A familiaridade com os procedimentos de adaptação de fatos verídicos não evita, contudo, que o filme reitere características habituais (e discutíveis)
de cinebiografias. A solenidade
histórica, por exemplo.
Os diálogos são muitas vezes
substituídos por discursos. É
possível argumentar que a militância política envolve sempre
quem fale à mesa durante uma
refeição como se estivesse num
palanque, mas, a exemplo do
que ocorria em "Olga", a recorrência parece ligada a um conceito duvidoso de tratamento
dramatúrgico de personagens
notáveis, como se tudo o que fizessem e dissessem precisasse
carregar grandeza.
Quando o filme começa, Zuzu teme pela morte e escreve
uma carta que atribui ao governo a responsabilidade por algo
que lhe aconteça -encenação
extremamente solene, por sinal. Em flashbacks, entende-se
o que aconteceu para levá-la
até aquele ponto de onde não
parece haver retorno.
A opção pelas idas e vindas
no tempo, em oposição à reconstituição linear, serve ao clima de suspense que já havia em
"O Homem da Capa Preta" e
"Lamarca". Aqui, no entanto,
os saltos às vezes se assemelham a solavancos, como se a
história de Zuzu precisasse ser
revivida de acordo com uma estrutura preconcebida.
ZUZU ANGEL
Direção: Sergio Rezende
Produção: Brasil, 2006
Com: Patrícia Pillar, Daniel de Oliveira
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Interlagos e circuito
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