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Crítica/Cirque du Soleil
Globalização atropela o circo
HUGO POSSOLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Perguntam a mim: "Você
gostaria de trabalhar no
Cirque du Soleil?". E eu
respondo: "Não!". Prefiro ser o
dono. Se é para sonhar, que seja
em me tornar milionário. E é
difícil separar o espetáculo do
business de milhões, quando o
único esforço do elenco em falar português foi para agradecer aos patrocinadores.
"Saltimbanco" tem 15 anos. É
o Brasil recebendo o fim da linha das turnês internacionais.
Talvez uma crítica a esta altura
não faça diferença, mas não
posso deixar passar ao largo o
valor simbólico que gera, a visibilidade que dignifica a atividade. O problema é saber se o circo brasileiro desfrutará disso.
O mais interessante de "Saltimbanco" (ingressos esgotados) não reside no apelo de produção suntuosa e alta tecnologia. Ao contrário, é no talento e
apuro técnico dos artistas que o
melhor do circo vem à tona. A
equilibrista no arame bambo, o
mastro chinês com acrobatas
vigorosos e a maca russa com
seus vôos impressionantes
misturam adrenalina e alegria
no coração do público.
O palhaço-mímico desfaz o
mito de que a tal indústria tira a
identidade de seus artistas. Sozinho no picadeiro, joga e improvisa com a platéia, desconcertando até o ego do apresentador de telejornal convocado
para a cena. Revela o rei nu, humaniza a celebridade de Chico
Pinheiro, como seria com qualquer outro cidadão. E o humor
se traduz em lirismo.
A força dos números engole a
dramaturgia. A aventura de um
menino que se transforma no
saltimbanco do título não chega a se cumprir. E o espetáculo
de variedades passa a obedecer
à fórmula mais tradicional, o
que não é nenhum demérito.
Traz os altos e baixos de números não-integrados entre si. Coreografias coletivas de gestos
uníssonos empobrecem números primorosos. Caso dos palhacinhos-malas que roubam a
atenção enquanto queremos
ver a equilibrista no arame.
A apresentação das dificuldades, assim como os constantes
pedidos de aplausos, são formas narrativas que não respeitam a inteligência da platéia.
Coisa superada nos picadeiros
do mundo e até do Soleil em
suas últimas montagens, mais
instigantes e ousadas.
A música de espírito new age
tira um tanto da vibração que a
peça tem, como se quisesse ser
mais séria e comportada.
Sempre saí alegre do circo.
Desta vez, saí um pouco angustiado por constatar o provincianismo de uma elite que desconhece nossos maiores talentos,
criatividade e valores.
Hesitei, pensando que achariam que escrevo por inveja.
Não tenho que temer dar minha opinião. Se não desse, morreria como artista. Quem empreende não tem medo de parecer despeitado. Os covardes,
que desistem dos sonhos, é que
ficam no ranço da reclamação.
Doloroso é saber que, talvez,
o que venha a instigar o público
serão perguntas como: por que
a pipoca é R$ 12? Por que o estacionamento é R$ 20? São as
dúvidas do mundo do consumo. A globalização atropela até
mesmo o circo. E a arte que se
vire para concluir que a colonizada miséria nos pertence.
HUGO POSSOLO, 44, é palhaço, ator e diretor do
grupo Parlapatões e do circo Roda Brasil
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