São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2007

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

O moderno de mão dupla

Ensaios de Alfonso Berardinelli apresentam uma trajetória crítica de alta envergadura, nada asséptica

EM "DA Poesia à Prosa" (Cosacnaify), o crítico literário romano Alfonso Berardinelli (1943) quer nos fazer ouvir com clareza os acordes fúnebres discretos que acompanharam -desde a origem, o choque de ruptura das vanguardas européias, até sua melancólica degeneração em jargão oficial e universalismo abstrato- a marcha triunfal novecentista de um projeto estético, o moderno. Escritos nos últimos 20 anos, os ensaios reunidos por Maria Betânia Amoroso apresentam uma trajetória crítica de alta envergadura, nada acomodada ou asséptica, marcada por um mal-estar enunciado com a dureza de uma advertência: "Antes de se tornar, finalmente, pós-moderna, isto é, ornamental, comestível e insossa, a arte moderna foi intratável" e "onde os poetas naufragaram e se afogaram como outros derrelitos comuns, foi construído um esplêndido e confortável hotel com vista para o mar".
A polêmica se arma contra a ascensão avassaladora ao longo do século 20 do prestígio da lírica, "gênero-guia do radicalismo e do utopismo literário moderno", sobre outras formas mais transitivas de poesia, como a narrativa e a dramática. Em "As Muitas Vozes da Poesia Moderna" (1983), originalmente posfácio à edição italiana do clássico de Hugo Friedrich, "Estrutura da Lírica Moderna" (1956), mesmo reconhecendo a excelência descritiva e analítica do crítico alemão, Berardinelli atribui-lhe o efeito perverso de enrijecer em modelo abstrato, explicado, a variedade e a negatividade da poesia moderna. Definindo-a como hermética, metaliterária, desrealizada, absolutizou a vertente mallarmaica do modernismo, entronizando uma nova modalidade de "poesia pura", imperialista, que passa pelos crivos da profundidade, do esoterismo, da obscuridade.
Na companhia de Adorno e Auerbach, Edmund Wilson e Enzensberger, em nome do caráter inassimilável, singular e concreto da obra de arte, recusa-se a conceber uma modernidade monolítica, realização estética da idéia do progresso. Ao lado de Baudelaire, o pai-de-todos, lembra a importância de Whitman. Vale-se da lição italiana, em "Quando Nascem os Poetas Modernos na Itália" (1992), para mostrar os modernos à contracorrente, cuja poesia não abdica da comunicação e se abre para formas prosaicas, enraizada na experiência local e biográfica. Alarga a vista e atribui centralidade a poetas que não cabem no figurino estrito do moderno, vozes em que a variedade de tons, temas e o convite ao diálogo predominam: W. H. Auden e sua "chat poetry", Antonio Machado e a eficácia do simples. Investiga em chave própria a relação próxima entre cidade e poesia moderna, mostrando como, no caso italiano, mais vale "o universalismo espontâneo dos (nossos) provincianos do que o provincianismo moderno de (nossos) cosmopolitas". Sua dissidência, sólida e bem argumentada, é leitura incontornável, para os leitores de poesia e para os interessados no nosso tempo.


DA POESIA À PROSA
Autor:
Alfonso Berardinelli
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 55 (240 págs.)
Avaliação: ótimo


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