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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
O moderno de mão dupla
Ensaios de Alfonso Berardinelli apresentam uma trajetória crítica de alta envergadura, nada asséptica
EM "DA Poesia à Prosa" (Cosacnaify), o crítico literário romano Alfonso Berardinelli
(1943) quer nos fazer ouvir com clareza os acordes fúnebres discretos
que acompanharam -desde a origem, o choque de ruptura das vanguardas européias, até sua melancólica degeneração em jargão oficial e
universalismo abstrato- a marcha
triunfal novecentista de um projeto
estético, o moderno. Escritos nos últimos 20 anos, os ensaios reunidos
por Maria Betânia Amoroso apresentam uma trajetória crítica de alta
envergadura, nada acomodada ou
asséptica, marcada por um mal-estar enunciado com a dureza de uma
advertência: "Antes de se tornar, finalmente, pós-moderna, isto é, ornamental, comestível e insossa, a arte moderna foi intratável" e "onde os
poetas naufragaram e se afogaram
como outros derrelitos comuns, foi
construído um esplêndido e confortável hotel com vista para o mar".
A polêmica se arma contra a ascensão avassaladora ao longo do século 20 do prestígio da lírica, "gênero-guia do radicalismo e do utopismo literário moderno", sobre outras
formas mais transitivas de poesia,
como a narrativa e a dramática. Em
"As Muitas Vozes da Poesia Moderna" (1983), originalmente posfácio à
edição italiana do clássico de Hugo
Friedrich, "Estrutura da Lírica Moderna" (1956), mesmo reconhecendo a excelência descritiva e analítica
do crítico alemão, Berardinelli atribui-lhe o efeito perverso de enrijecer em modelo abstrato, explicado, a
variedade e a negatividade da poesia
moderna. Definindo-a como hermética, metaliterária, desrealizada,
absolutizou a vertente mallarmaica
do modernismo, entronizando uma
nova modalidade de "poesia pura",
imperialista, que passa pelos crivos
da profundidade, do esoterismo, da
obscuridade.
Na companhia de Adorno e Auerbach, Edmund Wilson e Enzensberger, em nome do caráter inassimilável, singular e concreto da obra de
arte, recusa-se a conceber uma modernidade monolítica, realização estética da idéia do progresso. Ao lado
de Baudelaire, o pai-de-todos, lembra a importância de Whitman. Vale-se da lição italiana, em "Quando
Nascem os Poetas Modernos na Itália" (1992), para mostrar os modernos à contracorrente, cuja poesia
não abdica da comunicação e se abre
para formas prosaicas, enraizada na
experiência local e biográfica. Alarga
a vista e atribui centralidade a poetas que não cabem no figurino estrito do moderno, vozes em que a variedade de tons, temas e o convite ao
diálogo predominam: W. H. Auden e
sua "chat poetry", Antonio Machado
e a eficácia do simples. Investiga em
chave própria a relação próxima entre cidade e poesia moderna, mostrando como, no caso italiano, mais
vale "o universalismo espontâneo
dos (nossos) provincianos do que o
provincianismo moderno de (nossos) cosmopolitas". Sua dissidência,
sólida e bem argumentada, é leitura
incontornável, para os leitores de
poesia e para os interessados no
nosso tempo.
DA POESIA À PROSA
Autor: Alfonso Berardinelli
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 55 (240 págs.)
Avaliação: ótimo
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