São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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TV PAGA

Cinemascope: a contemplação dos espetáculos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

E ntendemos as superproduções em cinemascope como uma forma de Hollywood se defender dos avanços da televisão em seu território -o que é indubitável.
Improvável, contudo, é que este seja o único sentido do uso da tela larga e do gosto pelos superespetáculos entre os anos 50 e 60. Nesse período, os europeus haviam assumido as rédeas do cinema, tomando o tempo como dimensão essencial.
O cinema não era mais apenas imagens em movimento. Era a imagem do tempo. Isso é perceptível no neo-realismo, especialmente em Rossellini, e depois em Antonioni -entre tantos outros.
Ora, na América, o cinema continuava sendo movimento. Mesmo em Hawks, o mais ousado dos cineastas americanos em todos os tempos, o tempo decorre da ação. A superprodução em cinemascope é que, com sua grandiosidade, terá o dom de libertar o tempo. Hoje temos a oportunidade de observar, entre outras coisas, o enterro de Marco Aurélio em "A Queda do Império Romano" (Telecine Classic, 21h). Quantos minutos dura? Há os personagens e a figuração. Há Cômodo e Lívio, os possíveis sucessores, há Sofia Loren de negro e há o vento que os flocos de neve tornam visível. Há as panorâmicas magníficas de Anthony Mann -quem melhor do que ele descortina a paisagem com o movimento panorâmico?
Como essas panorâmicas incidiam sobre grandes exércitos em movimento ou sobre cenários magníficos, a dimensão temporal acaba se introduzindo e, insidiosamente, tomando conta do filme. Não só deste, é claro: tanta grandiosidade -cenários, figurantes etc.- exigem ser vistos, e isso não se faz no vapt-vupt.
Assim, talvez, o tempo acaba se instalando como dimensão essencial no cinema americano, no mais insuspeito, tornando-se fator de modernização, libertando os demais cineastas das amarras da ação (por incrível que pareça) e permitindo a um público enorme o prazer da contemplação.

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