São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2010

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CRÍTICA CONTOS

Histórias de Rubén Darío atacam a estupidez burguesa

Pouco lido no Brasil, autor nicaraguense revela refinamento em "Azul..."

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na história da literatura latino-americana, a palavra "modernismo" nomeia movimentos diferentes, provocando certa confusão. Uma coisa foi o modernismo hispano-americano; outra, o brasileiro, 30 e tantos anos depois.
Ambos afirmavam que as formas tradicionais precisavam ser substituídas. Porém, enquanto para os autores do primeiro grupo o tradicional era a escola romântica, para os do segundo eram as tendências simbolistas e as parnasianas.
No Brasil, com a Semana de 22, o coloquialismo de Manuel Bandeira e o futurismo de Oswald e Mário de Andrade deram o tom. Na América espanhola, com a publicação de "Azul..." (1888), do nicaraguense Rubén Darío (1867-1916), a nova diretriz foi o esteticismo simbolista e parnasiano. Isso criou um ruído anacrônico: para nosso ouvido modernista, o modernismo de Darío soava um tanto quanto passadista.
Essa confusão terminológica talvez explique o desinteresse brasileiro pela obra do maior nome do modernismo hispano-americano. Além de alguns poemas publicados em revistas especializadas, difíceis de encontrar, aqui não há nada de Rubén Darío ao alcance da mão e dos olhos. Melhor dizendo, quase nada. Agora há uma excelente coletânea de contos.

SENSIBILIDADE
A edição brasileira de "Azul..." traz 13 contos breves -diferente das edições em espanhol, que reúnem essas narrativas e poemas. São fábulas, mitos, "aquarelas" e "águas-fortes" divertidos e envolventes, povoados de referências greco-latinas e orientais. Parece pouco, mas é preciso dizer que, ao longo das décadas, evaporou-se a transgressão guerreira que havia nesses contos. As ousadias estilísticas foram suavizadas.
No prefácio, o crítico André Fiorussi alerta: "Muito do que provocou escândalo na época tornou-se depois procedimento comum na língua e na literatura". Essa suavização aconteceu também com Victor Hugo e Gustave Flaubert, autores prediletos de Darío. A sensibilidade refinada é a protagonista dos contos.
Ela aparece sempre corporificada, na pele de um poeta, um artista plástico ou um filósofo. E sempre sucumbe diante da grosseria geral. Em "O Rei Burguês", um pobre poeta morre ignorado e congelado, vítima de uma paradoxal instituição: uma burguesia aristocrática afetada e estúpida.
Em "O Sátiro Surdo", um asno filósofo é obrigado a servir um sátiro surdo e, de novo, afetado e estúpido. Em toda parte a cultura refinada é sacrificada no altar da burguesia ascendente.

NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral)


AZUL...

AUTOR Rubén Darío
EDITORA Demônio Negro/ Annablume
TRADUÇÃO Marcelo Barbão
QUANTO R$ 48 (140 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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