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LOLITA DE STANLEY KUBRICK
O velho transmite patologia do amor
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
A primeira "Lolita" do cinema
veio ao mundo cercada de superstições. Vladimir Nabokov só consentiu em escrever o roteiro após
ter tido um sonho que foi, para ele,
uma "iluminação".
Stanley Kubrick, por sua vez, viu
Sue Lyon e logo teria reconhecido
nela uma "atriz nata".
Quanto ao roteiro, Kubrick teve
de abrir concessões para tornar o
filme palatável à censura dos anos
60. Quanto à jovem atriz, Sue Lyon
mostrou ser um ponto fraco do filme -não acompanha Shelley
Winters, que faz sua mãe, a viúva
Haze, e muito menos James Mason
como Humbert Humbert.
A censura atingiu o filme em um
ponto nevrálgico: é justamente a
pedofilia de Humbert que teve de
ser colocada em relativa surdina.
Para compensar essas deficiências, Kubrick usou como força a
idéia de paixão como estado anômalo. Não é algo alheio a seu cinema. Em "Glória Feita de Sangue"
(57), os militares eram como máquinas de fazer guerra, colocando
as necessidades da hierarquia acima dos sentimentos e ao largo da
justiça e da cidadania. Em "2001"
(68), os astronautas só se revelam
humanos ao espectador a partir do
momento em que Hal-9000, o
computador de bordo, enlouquece
(e, de certa forma, mostra-se mais
humano do que eles).
Em "Lolita", Humbert Humbert
é uma máquina desejante. O fato
de Lolita ser uma menina acentua
esse traço da insânia amorosa: o
objeto amoroso é algo que se elege
como objeto, ponto.
Ou, antes, ponto e vírgula. As
coisas não terminam aí, mas começam. O que são as características
que a Humbert podem parecer
diabólicas em Lolita, exceto as que
ele lhe atribui? Lolita é um vazio, o
que Lyon acentua -em oposição à
sua mãe, toscamente humana.
Justamente por ser nada, Lolita é
facilmente preenchível pelo imaginário de Humbert.
Assim, o filme acaba tirando partido de seus desencontros. A obsessão de Humbert, a frieza de Lolita e a humanidade bonachona da
mãe acabam por se complementar,
criando uma homogeneidade de
suas diferenças.
Não obstante, "Lolita" transmite
uma sensação de frieza que vem,
em parte, do estilo de Kubrick.
Herdeiro do grande cinema de espetáculo, o cineasta faz da noção
de espetáculo sua pedra de toque.
Os seres não estão lá para ser, mas
para se transformar em imagens. É
como se ele previsse e criticasse o
mundo em que estamos mergulhados, em que as pessoas são a imagem que criam de si mesmas
(exemplo: a propaganda eleitoral).
Em parte, no entanto, essa frieza
não é tão desejável. Se o triângulo
Lolita/Humbert/Haze funciona
apesar de seus desencontros (ou
talvez por causa deles), o filme não
integra a seu sistema um quarto e
decisivo personagem, Quilty (Peter Sellers), sedutor de Lolita.
Ele não chega a se conformar plenamente nem como existência autônoma, nem como criação da
imaginação amorosa (portanto
anormal) de Humbert.
Se a espécie de limbo em que fica
Quilty ajuda a explicar a insatisfação que o próprio Kubrick sentiu
em relação a seu trabalho, não chega a descaracterizar a reflexão demoníaca que o filme desenvolve
sobre o amor como estado patológico em que todos somos ora
Humbert, ora Lolita.
Filme: Lolita
Produção: Reino Unido, 1962
Direção: Stanley Kubrick
Com: James Mason, Sue Lyon, Shelley
Winters, Peter Sellers
Quando: estréia 11 de setembro, em São
Paulo
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