São Paulo, sexta, 4 de setembro de 1998

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MÚSICA

O cantor Bezerra da Silva, 61, lança o seu 24º disco com críticas a FHC e elogios a Escadinha
"Não sei, não vi, não conheço"

Rogério Assis/Folha Imagem
O cantor Bezerra da Silva, que lança o 24º disco de sua carreira, "Eu Tô de Pé", e sua mulher e agente, Regina do Bezerra


PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Maconha, cocaína, roubo, tiro, caguetagem. Temas sempre considerados de apelo popular, agora são comuns na poética de grupos musicais de penetração na classe média, como Planet Hemp, Virgulóides e Racionais MC's.
Para o pai consensual desse negócio aí, o pernambucano Bezerra da Silva, tanto faz se Barão Vermelho, Marcelo D2 ou seja lá quem for gravar uma de suas músicas, dizer que sempre ouviu seus discos, convidar o sambista para subir ao palco do Canecão.
Segundo Bezerra, que está lançando seu 24º título, "Eu Tô de Pé", essas ações "não ajudam nada".
Assim, indiferente ao que se passa no andar de cima do mercado fonográfico, Bezerra volta a dar voz aos verdadeiros responsáveis pela temática barra pesada do que canta, uma plêiade de compositores pobres e anônimos do Rio (Claudio Inspiração, Nilson Reza Forte, Wilsinho Saravá, Roxinho etc.).
Curiosamente, o elogio ao traficante Escadinha e à maconha, presentes no álbum, não estão necessariamente em comunhão com suas idéias.
Sobre a erva, definida positivamente ("maneira", "medicinal", "nossa planta"), Bezerra sai-se com um discurso de chefe de Estado.
"Não fumo. Fumei uma vez quando tinha 17, 18 anos."
O cantor, que tem 61, e sua mulher e agente, Regina do Bezerra, receberam a Folha para uma entrevista, em São Paulo.

Folha - Você estava caído para usar como nome para o disco a frase "Eu Tô de Pé"?
Bezerra da Silva -
Eu não sei qual era a intenção dos autores da música (entre os quais está sua própria mulher).
O povo é desinformado, fica achando que eu sumi. O diretor achou o nome comercial. Artista, se é artista mesmo, não cai. Quem cai é intrujão. Eu estou há 24 anos de pé. Fazer sucesso é fácil, o difícil é mantê-lo.
Folha - Você vem sendo homenageado por grupos como o Barão Vermelho, o Planet Hemp, os Virgulóides. Isso o ajuda?
Bezerra -
Talvez a eles. A mim, nada. Até nem é bom dizer isso, eu sou amigo deles. É como o cara dizer que vai dar uma força para a Portela, para o Império. Quem vai pegar força é ele. Mas não vou dizer isso, quando o D2 e o Barão Vermelho me chamam, eu vou na amizade.
Folha - Uma de suas últimas aparições foi no Video Music Brasil, onde os grandes vitoriosos foram os Racionais MC's. As letras deles falam de coisas de que você também fala. Como foi conhecê-los?
Bezerra -
Tiramos muitas fotos juntos, trocamos uma idéia. Acho que me tomam por um pai do gênero. Mas eu não posso ser pioneiro de uma coisa que já existia, o partido alto já existia quando eu vim para o Rio. Mas era discriminado, era difícil gravar música de "analfabeto", "vagabundo".
Folha - Ainda os Racionais: nesse dia, um deles disse que o grupo faz música "de preto pra preto". Com você é assim também?
Bezerra -
Veio uma vez ao morro um paraguaio, uruguaio, sei lá, um gringo, e ele tocou tudo, reco-reco, cuíca, tambor.
Músicos nascem em qualquer lugar, e nem todo mundo no morro é sambista. Quando falo de música, eu sou clave de sol na segunda linha e clave de fá na quarta. Toda música para mim tá boa, eu só não vou falar de beijo na boca, vai me desculpar. Vivi a vida inteira em favela, não tem romantismo na favela.
Folha - Ainda mora na favela?
Bezerra -
Não, moro em Botafogo, mas vou ser sempre favela. Criticaram uma música minha, "As Favelas Que Não Exaltei", dizendo que era repetitiva. Mas criticam quem canta o amor? É o tema que mais repetem. Eu não canto mentira. Eu sempre vivi no morro, toda hora ia ao distrito para averiguação. Nasci na dura, no zero a zero. Eu te amo? Favela é sufoco, fome, miséria. Não queira saber como é a vida do favelado.
Folha - Mas também faz sucesso na favela o samba desses grupos românticos.
Bezerra -
Não sei, tem o ignorante, alguma pessoa que gosta de ser enganada. Eu não vou dizer que faço samba verdadeiro, porque aí vão achar que o que os outros fazem é mentira. Mas meu samba não tem caô-caô.
Folha - Qual é sua posição sobre a descriminação das drogas, você que tanto fala delas?
Bezerra -
Eu não tenho posição sobre nada, meu amigo. Eu me criei no morro, e lá tem o lado bom e o ruim, o morro é uma universidade. Nessa universidade tem um item que diz o seguinte: "Não sei, não vi, não conheço". Essa é a única resposta que se pode dar.
Folha - Mas há uma música tão elogiosa à maconha no disco, ela é tratada como "nossa planta".
Bezerra -
Mas é isso aí, a planta não é nossa? Minha relação com um tema é saber se o compositor o escreveu direitinho. Não devo nada a ninguém, minha ficha penal é nada consta. Ficam querendo criar diferença com um cidadão como eu, analfabeto, ignorante, pobre, preto, que mora longe.
Folha - Para completar, só faltava ser homossexual.
Bezerra -
Mas aí eu ia passar como maluco, que crioulo veado é maluco. Eu não sou safado, não sou ladrão, nunca matei, roubei, nunca coloquei cabrito em casa. Querem me pôr em cana? É como condenar o Tiririca por racismo. Então tem que colocar todo mundo em cana, o que mais tem no Brasil é racismo. Arrumam para o Tiririca porque ele é pobre.
Folha - Você usa drogas?
Bezerra -
Não. Fumei maconha uma vez, quando tinha 17, 18 anos. Ouvi falar que tinha esse negócio, era fumar e sair derrubando barraco. Falei: "Deixa ver isso aí". Essas coisas que dão fome e tiram o sono não servem.
Folha - E a bebida?
Bezerra -
Gosto de cachaça de alambique. Agora fui proibido de beber, mas bebo no fim-de-semana.
Folha - E Viagra, usa?
Bezerra -
O rapaz veio perguntar minha idade, disse: "9 de março de 37". Ele falou: "E o Viagra?". Aí eu disse: "Fala aqui com a moça, mas é capaz de ela estar levando uma grana" (indica Regina).



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