São Paulo, sexta, 4 de setembro de 1998

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CRÍTICA

Cantor dá voz a 30 autores

especial para a Folha

Se uma das maiores virtudes de Elis Regina foi lançar os principais compositores da MPB recente, Bezerra da Silva é a virtude em si. Dar voz aos escritores de partido alto da Baixada Fluminense para ele não é novidade, mas em "Eu Tô de Pé", radicalizou. Nas 14 faixas do disco aparecem créditos de 30 compositores.
Donde Bezerra passa a assumir outra função, além de cantar -e neste disco, diga-se, novamente com segurança. Ele é um curador, um homem de seleção de repertório, tendo que se ver com dezenas, talvez centenas de composições que chegam até ele -boa parte enviada à 94 FM, emissora carioca onde mantém o programa "QG do Samba".
Bezerra tem um método. Ele procura evitar a repetição de temas. Parece paradoxal em alguém tão conectado a um estilo, mas isso realmente acontece.
Há uma crítica ao "presidente cara-de-pau" ("E esse plano de agá/ Engrupiu de novo o povão/ No dia primeiro de abril/ Vai acabar a inflação") e um desagravo aos menores carentes ("Os países do Primeiro Mundo/ Mandam uma verba bem quente/ Em nome do menor abandonado/ Dos países mais carentes/ Mas a dura realidade/ É que a criança não vê uma prata").
Os exemplos se seguem, com alguns toques biográficos ("Minha folha penal é nada consta", verso reiterado em suas entrevistas), críticas a figuras públicas, como o Bicho Maiscedo, o evangélico (leia a letra da música nesta página). Alguns (literalmente) saem por cima, como Escadinha, o traficante, objeto de um samba-exaltação.
O tóxico diminuiu sua presença. A defesa da maconha, em "Garrafada do Norte" (com direito a elogios ao deputado Fernando Gabeira), aparece isolada. A cocaína fez forfait (como esquecer o verso "Me diz vovó/ Quem foi que botou maisena no meu pó", de "São Murungar", de 87?).
Por pouco o esquecido escândalo da pasta rosa não entrou ("ia ser difícil explicar esse negócio pro favelado", diz).
Bezerra se diz surpreendido com a qualidade das composições que recebe, sendo os autores, como diz, "ignorantes". Mas ele próprio não ignora que a chance delas funcionarem é grande. Os compositores de "O Juramento É Meu Lugar", por exemplo, moram no morro do Juramento, e devem ter lá suas razões em preferir o mundo marginal às Forças Armadas.
Bezerra talvez só não precisasse defender os taxistas, homenageados com uma poesia ginasial no disco. Soa como Roberto Carlos enaltecendo as míopes (gordas?), ou como candidato a vereador em campanha.
Mas que fazer quando o próprio taxista envia para o intérprete o embrião de uma nova música? (PV)

Disco: Eu Tô de Pé
Artista: Bezerra da Silva
Lançamento: Universal Music
Quanto: R$ 18 (em média)



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