|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Cantor dá voz a 30 autores
especial para a Folha
Se uma das maiores virtudes de Elis Regina foi lançar
os principais compositores
da MPB recente, Bezerra da
Silva é a virtude em si. Dar
voz aos escritores de partido alto da Baixada Fluminense para ele não é novidade, mas em "Eu Tô de Pé",
radicalizou. Nas 14 faixas
do disco aparecem créditos
de 30 compositores.
Donde Bezerra passa a assumir outra função, além de
cantar -e neste disco, diga-se, novamente com segurança. Ele é um curador,
um homem de seleção de
repertório, tendo que se ver
com dezenas, talvez centenas de composições que
chegam até ele -boa parte
enviada à 94 FM, emissora
carioca onde mantém o
programa "QG do Samba".
Bezerra tem um método.
Ele procura evitar a repetição de temas. Parece paradoxal em alguém tão conectado a um estilo, mas isso
realmente acontece.
Há uma crítica ao "presidente cara-de-pau" ("E esse
plano de agá/ Engrupiu de
novo o povão/ No dia primeiro de abril/ Vai acabar a
inflação") e um desagravo
aos menores carentes ("Os
países do Primeiro Mundo/
Mandam uma verba bem
quente/ Em nome do menor abandonado/ Dos países mais carentes/ Mas a dura realidade/ É que a criança
não vê uma prata").
Os exemplos se seguem,
com alguns toques biográficos ("Minha folha penal é
nada consta", verso reiterado em suas entrevistas), críticas a figuras públicas, como o Bicho Maiscedo, o
evangélico (leia a letra da
música nesta página). Alguns (literalmente) saem
por cima, como Escadinha,
o traficante, objeto de um
samba-exaltação.
O tóxico diminuiu sua
presença. A defesa da maconha, em "Garrafada do
Norte" (com direito a elogios ao deputado Fernando
Gabeira), aparece isolada. A
cocaína fez forfait (como
esquecer o verso "Me diz
vovó/ Quem foi que botou
maisena no meu pó", de
"São Murungar", de 87?).
Por pouco o esquecido escândalo da pasta rosa não
entrou ("ia ser difícil explicar esse negócio pro favelado", diz).
Bezerra se diz surpreendido com a qualidade das
composições que recebe,
sendo os autores, como diz,
"ignorantes". Mas ele próprio não ignora que a chance delas funcionarem é
grande. Os compositores de
"O Juramento É Meu Lugar", por exemplo, moram
no morro do Juramento, e
devem ter lá suas razões em
preferir o mundo marginal
às Forças Armadas.
Bezerra talvez só não precisasse defender os taxistas,
homenageados com uma
poesia ginasial no disco.
Soa como Roberto Carlos
enaltecendo as míopes
(gordas?), ou como candidato a vereador em campanha.
Mas que fazer quando o
próprio taxista envia para o
intérprete o embrião de
uma nova música?
(PV)
Disco: Eu Tô de Pé
Artista: Bezerra da Silva
Lançamento: Universal Music
Quanto: R$ 18 (em média)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|