São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2001

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LITERATURA

Escritor argentino lança em SP seu romance "Villa", a visão de um pária sobre a história política de seu país

Gusmán narra dilema ético da inocência

RODRIGO MOURA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Para mim, é sempre mais fácil falar do livro dos outros do que do meu próprio." Se verdadeira, a afirmação, modesta, faria de Luis Gusmán um dos maiores críticos literários de sua geração -a julgar pela desenvoltura com que o escritor argentino analisa seu próprio romance "Villa", que será lançado esta noite em São Paulo, com sua presença, no CCBB.
No entanto, é no campo da prosa de ficção que este intelectual, também psicanalista, se firmou como uma das mais reflexivas vozes criadoras na produção literária de seu país.
Gusmán recebeu a Folha na última segunda-feira e, durante duas horas, colocou sua nova criação em perspectiva histórica e estética. "Villa" visita a história argentina recente por meio do momento de transição entre a morte de Perón (1895-1974) e a ascensão do regime militar.
Escolhe, como narrador, um personagem-título desconcertante, um "mosca", o pária que acompanha os acontecimentos como o assessor que margeia o poder: Villa é burocrata de segundo escalão do Ministério do Bem-Estar Social. Uma "folha ao vento", por fim, que permitiu ao romancista criar um foco de micro-história e se aproximar dos acontecimentos de maneira mais "lateral". "Esse homem não quer sequer ser o braço direito do mais poderoso: o que interessa a este narrador são as pequenas misérias do poder -como andar em carro oficial e ostentar insígnias."
Gusmán situa seu romance sem dúvida como uma reação aos caminhos da prosa argentina em relação à história política do país. Seria, então, uma espécie de superação da visão da vítima, afastando a tipologia fácil que a dura repressão legou no campo literário.
Na visada de "Villa", a inocência se coloca no centro do escrutínio punitivo da história, um acirramento do processo kafkiano perseguido e experimentado pelo romancista-psicanalista.
"Parecia haver, nos textos daquela época, uma sobreposição muito forte entre a ideologia do narrador e os personagens. Então me ocorreu a possibilidade de um outro ponto de vista, sem dúvida mais realista e com um distanciamento quase brechtiano. Um ponto de vista de alguém que esteve do outro lado. Não era fácil não parecer suspeito a meus próprios olhos. Busquei modelos muito fortes de duas obras que considerava paradigmáticas do romance político: "A Condição Humana", de André Malraux, e "A Conspiração", de Paul Nizan."
O romance foi sucesso explosivo na Argentina, ao tocar nas feridas do regime militar e da gestão de José López Rega no Ministério do Bem-Estar Social, avançando pelas capas dos semanários.
"Villa" representa, segundo Gusmán, um desenvolvimento muito claro em direção ao dilema ético como mola para seu romance. "Estréio na literatura em torno do ano de 1973, com um livro chamado "O Vidrinho", em um contexto muito vanguardista, numa discussão contra o cortazarismo de um lado e o populismo do realismo socialista de outro. Então faço uma literatura muito de ruptura e fragmentária, colada na escritura. "Villa" vem na tensão oposta, como um esforço de buscar a dramaticidade na criação dos personagens e na narração."


VILLA - De: Luis Gusmán. Editora: Iluminuras. (R$ 27, 208 págs.) Lançamento no programa Rodas de Leitura. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, tel. 0/ xx/11/3113-3651). Quando: hoje, às 18h. Quanto: entrada franca. Senhas devem ser retiradas uma hora antes do evento.



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