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CRÍTICA
A América medíocre e puritana
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Começa com Vi (Selma Blair,
linda) transando violentamente com seu namorado, Marcus (Leo Fitzpatrick, de "Kids").
Ele é deficiente físico e, acabado o
sexo, segue-se mais ou menos o
seguinte diálogo:
Ele: Você não me ama mais.
Ela: Amo sim, que bobagem.
Ele: Não ama. Não me acha
mais esquisito. (Chateado) Acabou toda a perversão...
Assim começa "Histórias Proibidas". É um legítimo Todd Solondz, o herdeiro de John Waters,
um dos únicos diretores norte-americanos da nova geração que
faz questão de incomodar sua platéia, sua indústria e seu país.
Para quem não lembra, ele é
aquele sujeito com cara de imbecil, óculos de lentes grossas, dentões e boca que não fecha que parece o nerd arquetípico e dirigiu
os excelentes "Bem-Vindo à Casa
de Bonecas" e "Felicidade".
Como tudo o que faz, "Histórias
Proibidas" está cercado de polêmicas. A primeira diz respeito à
cena mais perturbadora do filme.
Vi faz parte de um curso de literatura, dado por um escritor negro
ganhador do Pulitzer. O professor
tem fama de transar com todas as
suas alunas, e Vi vai conferir. Acaba na casa dele, nua, de frente para a parede e gritando, a pedido
dele, uma frase racista que não seria possível publicar aqui. Segundos antes, estava no banheiro, onde encontra fotos de suas coleguinhas peladas. Ali, passa a ter dúvidas se quer mesmo levar o ato até
o fim, mas se olha no espelho e fala: "Eu não vou ser racista!".
A Motion Pictures Association
of America, entidade que reúne os
grandes estúdios de Hollywood e
define as faixas etárias dos filmes,
pediu que a cena fosse cortada para não obter a classificação NC-17,
que mata comercialmente um filme. Ele optou por colocar uma
tarja vermelha sobre os dois, como as ridículas bolinhas pretas
que seguiam a genitália dos atores
quando "Laranja Mecânica" foi
exibido no Brasil nos anos 70.
"Preferi não fazer uma adaptação digital, porque quero que o
público saiba o que foi proibido",
disse o diretor no Festival de Cinema de Nova York. "A tarja em
estilo soviético", disse, denuncia
"o puritanismo da censura americana". O espectador brasileiro vê
hoje a versão européia, integral.
A outra controvérsia é uma cena no final, em que aparecem as
torres gêmeas do World Trade
Center. Solondz optou por fugir
da histeria e manteve os prédios.
"Histórias Proibidas" é dividido
em duas partes, "Ficção" e "Não-Ficção". A primeira é a das cenas
acima, que conta a história de Vi e
seu grupo de amigos adolescentes. Mas é na segunda parte que a
ironia irresistível de Solondz está
na melhor forma.
Ele retrata a vida de uma família
de classe média em Nova Jersey
comandada pelo pai bronco interpretado por John Goodman
cujo filho problemático vira objeto de um documentário. O diretor
é um perdedor profissional (Paul
Giamatti) que quer mudar de vida
fazendo um filme.
Em uma palavra: imperdível.
Duas últimas coisas: segundo os
rumores durante o Festival de
Cannes, a versão original traria
uma cena de James van der Beek,
o mocinho de "Dawson's Creek",
sendo o passivo numa cena de sexo anal, que acabou sendo cortada a pedido do ator; e a boa trilha
é de Belle & Sebastian.
Histórias Proibidas
Storytelling
Produção: EUA, 2001
Direção: Todd Solondz
Com: Selma Blair, Paul Giamatti
Quando: hoje, às 16h30 e às 21h30, no
Estação Ipanema; sáb., às 14h e às 19h,
no Estação Icaraí, no Rio
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