São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

A América medíocre e puritana

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Começa com Vi (Selma Blair, linda) transando violentamente com seu namorado, Marcus (Leo Fitzpatrick, de "Kids"). Ele é deficiente físico e, acabado o sexo, segue-se mais ou menos o seguinte diálogo:
Ele: Você não me ama mais.
Ela: Amo sim, que bobagem.
Ele: Não ama. Não me acha mais esquisito. (Chateado) Acabou toda a perversão...
Assim começa "Histórias Proibidas". É um legítimo Todd Solondz, o herdeiro de John Waters, um dos únicos diretores norte-americanos da nova geração que faz questão de incomodar sua platéia, sua indústria e seu país.
Para quem não lembra, ele é aquele sujeito com cara de imbecil, óculos de lentes grossas, dentões e boca que não fecha que parece o nerd arquetípico e dirigiu os excelentes "Bem-Vindo à Casa de Bonecas" e "Felicidade".
Como tudo o que faz, "Histórias Proibidas" está cercado de polêmicas. A primeira diz respeito à cena mais perturbadora do filme. Vi faz parte de um curso de literatura, dado por um escritor negro ganhador do Pulitzer. O professor tem fama de transar com todas as suas alunas, e Vi vai conferir. Acaba na casa dele, nua, de frente para a parede e gritando, a pedido dele, uma frase racista que não seria possível publicar aqui. Segundos antes, estava no banheiro, onde encontra fotos de suas coleguinhas peladas. Ali, passa a ter dúvidas se quer mesmo levar o ato até o fim, mas se olha no espelho e fala: "Eu não vou ser racista!".
A Motion Pictures Association of America, entidade que reúne os grandes estúdios de Hollywood e define as faixas etárias dos filmes, pediu que a cena fosse cortada para não obter a classificação NC-17, que mata comercialmente um filme. Ele optou por colocar uma tarja vermelha sobre os dois, como as ridículas bolinhas pretas que seguiam a genitália dos atores quando "Laranja Mecânica" foi exibido no Brasil nos anos 70.
"Preferi não fazer uma adaptação digital, porque quero que o público saiba o que foi proibido", disse o diretor no Festival de Cinema de Nova York. "A tarja em estilo soviético", disse, denuncia "o puritanismo da censura americana". O espectador brasileiro vê hoje a versão européia, integral.
A outra controvérsia é uma cena no final, em que aparecem as torres gêmeas do World Trade Center. Solondz optou por fugir da histeria e manteve os prédios.
"Histórias Proibidas" é dividido em duas partes, "Ficção" e "Não-Ficção". A primeira é a das cenas acima, que conta a história de Vi e seu grupo de amigos adolescentes. Mas é na segunda parte que a ironia irresistível de Solondz está na melhor forma.
Ele retrata a vida de uma família de classe média em Nova Jersey comandada pelo pai bronco interpretado por John Goodman cujo filho problemático vira objeto de um documentário. O diretor é um perdedor profissional (Paul Giamatti) que quer mudar de vida fazendo um filme.
Em uma palavra: imperdível.
Duas últimas coisas: segundo os rumores durante o Festival de Cannes, a versão original traria uma cena de James van der Beek, o mocinho de "Dawson's Creek", sendo o passivo numa cena de sexo anal, que acabou sendo cortada a pedido do ator; e a boa trilha é de Belle & Sebastian.


Histórias Proibidas
Storytelling     
Produção: EUA, 2001
Direção: Todd Solondz
Com: Selma Blair, Paul Giamatti
Quando: hoje, às 16h30 e às 21h30, no Estação Ipanema; sáb., às 14h e às 19h, no Estação Icaraí, no Rio




Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Música: Ian McCulloch arrisca-se como DJ
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.