São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2001

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CRÍTICA

CD é para quem já havia esquecido que eles são criativos

DA REPORTAGEM LOCAL

O começo é assim, "vamos ao trabalho/ e só há uma maneira de fazê-lo/ direito, bem feito/ senão é melhor nem começar", como numa confissão envergonhada de que em anos recentes eles, os Titãs, andavam um tanto preguiçosos criativamente.
De pronto, relativizam a suposta confissão, na mesma e divertida "Vamos ao Trabalho": "Vamos pra balada/ mas se não for pra detonar/ botar a casa abaixo/ é melhor nem me chamar". "A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana" será um disco de exploração dessa dualidade, já está avisado.
Os momentos mais defensivos da denúncia da dualidade serão a faixa-título e "Bom Gosto", ambas do início do disco. Na canção-título (a "de trabalho", como se diz, e também a mais bobinha do CD), o jogo de duplos é entre a permanência e a efemeridade do sucesso. "Bom Gosto" é, talvez, para defender o rock quase sinfônico do "Acústico MTV" (97).
Até ali, parecem meio traumatizados com a desconfiança que a "fase repetitiva", mesmo sendo de grande sucesso, causou até em fãs históricos da banda. A hora de voltar às inéditas seria ponto de inflexão, quem sabe os "15 minutos de fama/ depois descanse em paz" de que fala a faixa "de trabalho". Os Titãs tinham medo.
Mas tudo fica mais complexo a partir da faixa cinco, "Um Morto de Férias", de Fromer, Bellotto e Britto. Descontada a ironia triste (que torna essa e outras faixas sombrias, úmidas), o rock paulista ligeiro é uma pérola de auto-ironia, de confissão lúcida da tal "crise dos 40" e seus fantasmas.
"Eu sou um morto de férias/ na mais total solidão", "aqui estirado na areia/ esperando alguém me enterrar", "sei que não sou mais um jovem/ que não sou velho também", "voltei, vou trabalhar", vai cantando Branco Mello, pândego/sério. (Isso lembra que Titãs reúne cantores corretos, se não brilhantes -Mello e Miklos à frente.) Não, os Titãs não estão naquele isolamento de "eu sou o máximo, quem me difama tem inveja de mim". Tematizando o limbo entre a juventude e a velhice, "Um Morto de Férias" é faixa viva, muito viva -é um amor.
Vem "Epitáfio" (de Britto), o morto de férias voltando a se expressar: "Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer", depois "o acaso vai me proteger/ enquanto eu andar distraído". Parece homenagem cruel a Fromer, e a postura sólida de não evitar a coincidência é admirável. E a faixa é triste, bem triste.
As citações corajosas -que são mais ao lugar em que os moços de meia-idade ocupam no mundo que à "deserção" do companheiro- se sucedem, como em "É Bom Desconfiar" ("construí essa casa/ assentando os tijolos/ mas uma bala perdida/ pode estourar meus miolos"), de Reis, e "Não Fuja da Dor" ("fugir da dor é fugir da própria cura"), de Fromer, Bellotto, Gavin e Mello, até em poema inédito de Torquato Neto.
Entre momentos suaves (como "Mesmo Sozinho", de Reis, bem parecida com sua bela criação solo "Relicário", de 94) e alguma macumba ("Bananas", com mangue beat, samba-funk à Fernanda Abreu, bossa e frase de "Terra em Transe"), a metralhadora de crítica e autocrítica retalha todo o CD.
Dê-lhe "Mundo Cão" ("ninguém mandou ficar de quatro"), "Eu Não Presto" ("teias de aranha habitam meu coração", "eu não passo de um canalha"), "Cuidado com Você" ("quem tem dinheiro te roubou"), a fofa "Alma Lavada" ("lavo a alma bem lavada/ lavo e esfrego sem ter dó").
O rock? Está frouxo, leve e solto, à moda de "Televisão" (85) e "Domingo" (95). Para os que havíamos nos esquecido disso, os Titãs ainda são cheios de fazer música aberta, inédita e criativa.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana    
Grupo: Titãs
Lançamento: Abril Music
Quanto: R$ 17,90 (preço sugerido pela gravadora); em bancas, R$ 19,90




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