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CRÍTICA
CD é para quem já havia esquecido que eles são criativos
DA REPORTAGEM LOCAL
O começo é assim, "vamos
ao trabalho/ e só há uma maneira de fazê-lo/ direito, bem feito/ senão é melhor nem começar", como numa confissão envergonhada de que em anos recentes eles, os Titãs, andavam um
tanto preguiçosos criativamente.
De pronto, relativizam a suposta confissão, na mesma e divertida "Vamos ao Trabalho": "Vamos pra balada/ mas se não for
pra detonar/ botar a casa abaixo/
é melhor nem me chamar". "A
Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana" será um
disco de exploração dessa dualidade, já está avisado.
Os momentos mais defensivos
da denúncia da dualidade serão a
faixa-título e "Bom Gosto", ambas do início do disco. Na canção-título (a "de trabalho", como se
diz, e também a mais bobinha do
CD), o jogo de duplos é entre a
permanência e a efemeridade do
sucesso. "Bom Gosto" é, talvez,
para defender o rock quase sinfônico do "Acústico MTV" (97).
Até ali, parecem meio traumatizados com a desconfiança que a
"fase repetitiva", mesmo sendo de
grande sucesso, causou até em fãs
históricos da banda. A hora de
voltar às inéditas seria ponto de
inflexão, quem sabe os "15 minutos de fama/ depois descanse em
paz" de que fala a faixa "de trabalho". Os Titãs tinham medo.
Mas tudo fica mais complexo a
partir da faixa cinco, "Um Morto
de Férias", de Fromer, Bellotto e
Britto. Descontada a ironia triste
(que torna essa e outras faixas
sombrias, úmidas), o rock paulista ligeiro é uma pérola de auto-ironia, de confissão lúcida da tal
"crise dos 40" e seus fantasmas.
"Eu sou um morto de férias/ na
mais total solidão", "aqui estirado
na areia/ esperando alguém me
enterrar", "sei que não sou mais
um jovem/ que não sou velho
também", "voltei, vou trabalhar",
vai cantando Branco Mello, pândego/sério. (Isso lembra que Titãs
reúne cantores corretos, se não
brilhantes -Mello e Miklos à
frente.) Não, os Titãs não estão
naquele isolamento de "eu sou o
máximo, quem me difama tem
inveja de mim". Tematizando o
limbo entre a juventude e a velhice, "Um Morto de Férias" é faixa
viva, muito viva -é um amor.
Vem "Epitáfio" (de Britto), o
morto de férias voltando a se expressar: "Devia ter amado mais,
ter chorado mais, ter visto o sol
nascer", depois "o acaso vai me
proteger/ enquanto eu andar distraído". Parece homenagem cruel
a Fromer, e a postura sólida de
não evitar a coincidência é admirável. E a faixa é triste, bem triste.
As citações corajosas -que são
mais ao lugar em que os moços de
meia-idade ocupam no mundo
que à "deserção" do companheiro- se sucedem, como em "É
Bom Desconfiar" ("construí essa
casa/ assentando os tijolos/ mas
uma bala perdida/ pode estourar
meus miolos"), de Reis, e "Não
Fuja da Dor" ("fugir da dor é fugir
da própria cura"), de Fromer, Bellotto, Gavin e Mello, até em poema inédito de Torquato Neto.
Entre momentos suaves (como
"Mesmo Sozinho", de Reis, bem
parecida com sua bela criação solo "Relicário", de 94) e alguma
macumba ("Bananas", com mangue beat, samba-funk à Fernanda
Abreu, bossa e frase de "Terra em
Transe"), a metralhadora de crítica e autocrítica retalha todo o CD.
Dê-lhe "Mundo Cão" ("ninguém mandou ficar de quatro"),
"Eu Não Presto" ("teias de aranha
habitam meu coração", "eu não
passo de um canalha"), "Cuidado
com Você" ("quem tem dinheiro
te roubou"), a fofa "Alma Lavada"
("lavo a alma bem lavada/ lavo e
esfrego sem ter dó").
O rock? Está frouxo, leve e solto,
à moda de "Televisão" (85) e "Domingo" (95). Para os que havíamos nos esquecido disso, os Titãs
ainda são cheios de fazer música
aberta, inédita e criativa.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
A Melhor Banda de Todos os
Tempos da Última Semana
Grupo: Titãs
Lançamento: Abril Music
Quanto: R$ 17,90 (preço sugerido pela
gravadora); em bancas, R$ 19,90
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