São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007

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crítica

Romance está longe da melhor fase do autor

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Nós estamos prontos para afundar nossas vidinhas", diz alguém a certa altura de "Homem em Queda". E é de "vidinhas" mesmo que trata Don DeLillo neste romance tão distante de suas melhores obras. Há pouco aqui do mestre da paranóia, um dos "profetas" mais certeiros desse mundo de "homens partidos" em que viemos parar, ou do criador de inícios magistrais como os de "Mao 2º" ou de "Submundo".
A imagem central do texto deveria ser a do artista que dá o título ao livro e suas performances que buscam repetir em diferentes lugares de Nova York a queda dos corpos em desespero das torres gêmeas no 11/9. Mas talvez a imagem de fato se encontre em outro lugar, no personagem obcecado em contar os dedos dos pés das mulheres que encontra. Ele sabe que sempre a soma chegará a dez -e não se importa, insistindo sempre no ritual.
É essa sensação de banalidade que contamina todo o volume, a começar por seus dois protagonistas, Keith, um sobrevivente do desabamento, e Lianne, a sua ex-mulher, para casa de quem ele retorna após a tragédia. Os acontecimentos que se seguem (a relação dele com uma amante, também uma sobrevivente, e os torneios de pôquer; as conversas dela com a mãe e seu namorado) são enunciados com tédio e distanciamento.
Seria possível pensar que por fim, a despeito de qualquer horror, a vida continua ("Eu estava andando na rua, indo para o barbeiro. Veio uma pessoa correndo. Eu estava na privada. Depois fiquei com o maior ódio. As pessoas diziam onde estavam quando a coisa aconteceu.
Eu não dizia onde estava"). No entanto, isso parece tão irrelevante. Talvez o problema esteja na ânsia com que a ficção norte-americana vem tentando reconstituir esse capítulo tão difícil de sua história recente em incontáveis livros. Não há nada aqui, para citar uma situação extrema, da urgência de rememoração que ocorreu no pós-guerra. As razões são bem diferentes e, ao que tudo indica, menos relevantes.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

HOMEM EM QUEDA
Autor:
Don DeLillo
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 47 (264 págs.)
Avaliação: regular


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