São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2008

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Crítica/"Missão no Reich"

Livro evita julgar diplomatas latino-americanos em tempo de guerra

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Trazer para o leitor do século 21 a história de como os diplomatas latino-americanos servindo na Europa reagiram à ascensão do nazifascismo é uma tarefa hercúlea que poderia iluminar um canto obscurecido da história.
O jornalista Roberto Lopes se propõe a executá-la em seu livro "Missão no Reich". No fruto de viagens a 11 países e que as notas qualificam como uma obra extensa e detalhista de pesquisa, Lopes reconta o que diziam agentes consulares e embaixadores da época por meio do relato de cartas, mensagens e telegramas.
Há preciosidades na garimpagem. Lemos como diplomatas brasileiros ora alertavam para os abusos flagrantes de nazistas em começo de carreira, sendo em alguns casos vítimas, e como ora cantavam loas a Mussolini.
Nos textos, poucos deixam de confessar uma certa admiração pela "Nova Ordem" européia, em especial os argentinos e uma longa fila de diplomatas de países menos desenvolvidos. Há relatos que beiram o constrangedor para seus autores. Uma das maiores virtudes do trabalho reside exatamente aí: ele evita o julgamento, deixa os diplomatas falarem por si mesmos.
Há paralelos possíveis com o jogo diplomático atual. O livro descreve como a nascente indústria bélica alemã tentava vender seus produtos, sempre sob o olhar desconfiado dos franceses. Se antes havia o Tratado de Versalhes a justificar vetos, hoje temos as vontades expressas de Washington.
A obra, contudo, padece do limitado interesse de seu objeto. Como o autor ressalta várias vezes, os países latino-americanos não tinham importância geopolítica para o Reich. O mais próximo de um incidente relevante, a reação de Berlim contra medidas de Getúlio Vargas de restrição aos alemães, é uma mera nota de rodapé histórica.
Uma passagem potencialmente interessante, a do cônsul brasileiro em Munique que relatou o relacionamento social com um Adolf Hitler ainda em formação como líder político, acaba perdida em um breve e seco relato.
O cônsul em questão, Vinício da Veiga, teria estabelecido uma interlocução com Hitler entre 1926 e 1927 e chegou a solicitar ao Ministério das Relações Exteriores um visto para que o emergente político pudesse visitar o Brasil. Se Hitler estava interessado, não ficamos sabendo. De todo modo, a autorização foi negada, em nome das então estremecidas relações entre os países, já que o nazista era um raivoso oposicionista.
O livro aborda corretamente a questão judaica. Mas episódios de diplomatas latino-americanos que auxiliaram na fuga de judeus são conhecidos, assim como a posição do governo Vargas antes da guerra -sendo o caso de Olga Benário o mais notório.
Com um espaço excessivo dedicado a fatos conhecidos da trajetória do nazismo, familiares ao público que se dedica a estudar o assunto, e sem novidades de relevo para atrair um leitor neófito, "Missão no Reich" acaba trazendo um panorama amplo e de interesse variável das impressões de personagens marginais daquele período histórico.


MISSÃO NO REICH - GLÓRIA E COVARDIA DOS DIPLOMATAS LATINO-AMERICANOS NA ALEMANHA DE HITLER
Autor: Roberto Lopes
Editora: Odisséia Editorial
Quanto: R$ 89 (560 págs.)
Avaliação: regular


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