|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Missão no Reich"
Livro evita julgar diplomatas latino-americanos em tempo de guerra
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Trazer para o leitor do
século 21 a história de
como os diplomatas latino-americanos servindo na
Europa reagiram à ascensão do
nazifascismo é uma tarefa hercúlea que poderia iluminar um
canto obscurecido da história.
O jornalista Roberto Lopes
se propõe a executá-la em seu
livro "Missão no Reich". No
fruto de viagens a 11 países e
que as notas qualificam como
uma obra extensa e detalhista
de pesquisa, Lopes reconta o
que diziam agentes consulares
e embaixadores da época por
meio do relato de cartas, mensagens e telegramas.
Há preciosidades na garimpagem. Lemos como diplomatas brasileiros ora alertavam
para os abusos flagrantes de nazistas em começo de carreira,
sendo em alguns casos vítimas,
e como ora cantavam loas a
Mussolini.
Nos textos, poucos deixam
de confessar uma certa admiração pela "Nova Ordem" européia, em especial os argentinos
e uma longa fila de diplomatas
de países menos desenvolvidos.
Há relatos que beiram o
constrangedor para seus autores. Uma das maiores virtudes
do trabalho reside exatamente
aí: ele evita o julgamento, deixa
os diplomatas falarem por si
mesmos.
Há paralelos possíveis com o
jogo diplomático atual. O livro
descreve como a nascente indústria bélica alemã tentava
vender seus produtos, sempre
sob o olhar desconfiado dos
franceses. Se antes havia o Tratado de Versalhes a justificar
vetos, hoje temos as vontades
expressas de Washington.
A obra, contudo, padece do limitado interesse de seu objeto.
Como o autor ressalta várias
vezes, os países latino-americanos não tinham importância
geopolítica para o Reich.
O mais próximo de um incidente relevante, a reação de
Berlim contra medidas de Getúlio Vargas de restrição aos
alemães, é uma mera nota de
rodapé histórica.
Uma passagem potencialmente interessante, a do cônsul
brasileiro em Munique que relatou o relacionamento social
com um Adolf Hitler ainda em
formação como líder político,
acaba perdida em um breve e
seco relato.
O cônsul em questão, Vinício
da Veiga, teria estabelecido
uma interlocução com Hitler
entre 1926 e 1927 e chegou a solicitar ao Ministério das Relações Exteriores um visto para
que o emergente político pudesse visitar o Brasil.
Se Hitler estava interessado,
não ficamos sabendo. De todo
modo, a autorização foi negada,
em nome das então estremecidas relações entre os países, já
que o nazista era um raivoso
oposicionista.
O livro aborda corretamente
a questão judaica. Mas episódios de diplomatas latino-americanos que auxiliaram na fuga
de judeus são conhecidos, assim como a posição do governo
Vargas antes da guerra -sendo
o caso de Olga Benário o mais
notório.
Com um espaço excessivo
dedicado a fatos conhecidos da
trajetória do nazismo, familiares ao público que se dedica a
estudar o assunto, e sem novidades de relevo para atrair um
leitor neófito, "Missão no
Reich" acaba trazendo um panorama amplo e de interesse
variável das impressões de personagens marginais daquele
período histórico.
MISSÃO NO REICH - GLÓRIA E COVARDIA DOS DIPLOMATAS LATINO-AMERICANOS NA ALEMANHA DE HITLER
Autor: Roberto Lopes
Editora: Odisséia Editorial
Quanto: R$ 89 (560 págs.)
Avaliação: regular
Texto Anterior: Crítica/ "Flores Azuis": Autora apresenta progresso narrativo Próximo Texto: Crítica/"E Nós Chegamos ao Fim": Tom moralista enfraquece sátira ao asfixiante mundo corporativo Índice
|