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FERNANDO BONASSI
Love Story
É desses hotéis no começo
da São João, onde os quartos
recortados de paredes têm seis ou
sete lados, fazendo os hóspedes se
vestirem sentados pra não bater
em qualquer coisa. Tem população flutuante e hóspedes fixos.
Seu Mário é um desses. Maquinista aposentado da Santos-Jundiaí,
tinha passado dos 70 fazia um
certo tempo. Viu as cidades variarem do matagal pra terra aplainada e ainda acompanhou as casas e as famílias que iam nascendo e morrendo ao longo da linha.
Gostava de peixe. Andava na
praia. Molhava o pé no Zé Menino durante a folga na Baixada.
Não era um salário ruim.
Seu Mário tinha um sonho esquisito: morar em hotel. Chegou a
propor pra mulher. Mais de uma
vez. Ela só não largou dele porque
Seu Mário acabou cedendo. Cedeu de bom gosto. Gostava daquela velha. Quando ficou viúvo,
decidiu que mulher não era mais
assunto pra ele. Pôs a casa pra
alugar, chamou os vizinhos e
mandou que pegassem o que quisessem, dele ou da falecida. Seu
Mário ficou sentado enquanto levavam geladeira, fogão, panelas,
penduricalhos, móveis... só restou
a cadeira em que se sentara, que
ninguém teve coragem de pedir
pra ele tirar o traseiro dela. Pegou
a lista, o telefone e ficou ligando
até achar o tal hotel com café da
manhã incluído que coubesse no
dinheiro dele. Achou esse.
Quando Seu Mário chegou, "esse" hotel já não era mais "aquele"... Tomava o café incluído; almoçava nos quilos por perto, enchia a cara e via televisão.
Os quartos têm portas entre
eles. Roncos, tosses, perfumes e
chulés vazam de uns pros outros.
Com a alta rotatividade, Seu Mário começou a ouvir o que não
queria. Casais que se casavam e
se fartavam. Tudo muito rápido.
O período é de três horas.
Não lembra se o nome era Laura.... ou Amanda... de uns tempos
pra cá a memória do Seu Mário
deu pra falhar. Ele lembra que, da
primeira vez, acordou com aquela bronca:
- Hoje é o nosso dia?! Tem certeza?! E como é que você me traz
num pardieiro desses bem no
"nosso dia"?!
Seu Mário procurou ouvir o homem com ela, mas ele tinha preferido se calar. Era sábio.
- Essa cama? Olha! Mancha
no lençol?! Do quê?! É um pardieiro!
Seu Mário acendeu um cigarro
e ficou esperando. A mulher
(Marta? Kássia? Vanusa?) começou a chorar. Dizia pro outro que
ele a humilhava e que abusara da
sua dedicação "por todos esses
anos". Então Seu Mário ouviu como se a cama fosse arrastada, um
tapa, depois um suspiro aflito:
- Você me acha velha demais... é isso.
Seu Mário terminou o cigarro
sem ouvir mais nada. Quando estava esmagando no cinzeiro, alguém saiu de lá chutando. A mulher (Eveline? Pâmela? Jussara?)
ficou chorando de fininho, como
se estivesse esganada. Seu Mário
passou a tarde sentado na cadeira que trouxera consigo.
Como anoiteceu e a mulher
(Selma? Waleska? Rogéria?) continuava do mesmo jeito, Seu Mário tomou coragem e bateu na
porta. Quando olhou pra cara toda borrada da mulher (Tunica?
Tônia? Sônia?), os 50 e tantos que
ela tinha pareciam um pouco
mais. Um pé descalço e outro numa bota de meio metro de altura.
A saia era curta e mesmo com a
meia grossa dava pra ver o que
não se podia disfarçar. Seu Mário
ficou ali sem saber o que fazer.
Depois disse:
- Passei a tarde inteira ouvindo a senhora...
- Senhora!?
A mulher (Joelma? Adriene?
Luci?) chorou ainda mais forte,
deixando escorrer umas lágrimas
pretas de maquiagem. Seu Mário
tirou um lenço do bolso e passou
pelo rosto dela. Piorou, mas ela
também não queria se olhar no
espelho. Ficou foi olhando pro
Seu Mário e fungando. Em seguida caminhou na direção dele como se tivesse aprendido a andar
naquela hora, abraçou apertado
e chorou até ficar seca.
Seu Mário levou a mulher (Joana? Demétria? Carla?) até o banheiro, ligou o chuveiro e saiu.
Desceu até a cozinha para pegar
um pão com queijo e um copo de
leite bem doce, pra dar força. Na
volta, a mulher (Bruna? Bárbara?
Marlene?) continuava no mesmo
lugar. Seu Mário então a colocou
no chuveiro e deixou escorrer bastante água morna pelos cabelos.
A água também ficou preta de
tintura, mas eles não comentaram esse assunto. Depois passou
sabonete com o cuidado que se
tem com uma coisa minúscula;
enxaguou, secou e a pôs sentada
na cama. A mulher (Judith? Verônica? Elizete?) acabou caindo e
dormindo. No dia seguinte, quando Seu Mário foi bater, ninguém
atendeu. Na portaria, disseram
que tinha partido.
Uma semana depois a porta do
quarto do Seu Mário se abre, e a
mulher (Carla? Clarice? Bianca?)
estava lá. Disse que tinha ido
agradecer e agradeceu retribuindo o que Seu Mário tinha feito.
Deu banho, fez massagem e o pôs
pra dormir...
Encurtando essa história, que o
espaço tá acabando e que tem tudo pra incomodar o sossego da falecida: o nome que ele escolheu
pra chamar a mulher acabou ficando Virgínia, por causa de uma
vedete que conheceu e nunca esqueceu. Essa Virgínia desaparece
uns tempos, mas volta. Sempre
volta pra ficar com ele e darem-se
banhos e coisa e tal... O dois até
chamam esses dias de "o dia deles"... bem naquele pardieiro!
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