São Paulo, sexta-feira, 04 de novembro de 2005

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CINEMA/"TUDO ACONTECE EM ELIZABETHTOWN"

Novo filme de Cameron Crowe ("Quase Famosos") só ganha ritmo no final

Quase nada acontece em Elizabethtown

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Um pouco como M. Night Shyamalan, Cameron Crowe construiu sua reputação como um roteirista habilidoso que filma suas próprias histórias -fama que lhe valeu até um Oscar, pelo roteiro de "Quase Famosos". Mas, ao contrário de Shyamalan, que, após "O Sexto Sentido", se confirmou cineasta de fato, Crowe, desde sua simpática estréia com "Vida de Solteiro" (1992), nunca deixou de ser um filmador de diálogos. Sua própria reputação como bom roteirista vem sendo posta em xeque filme a filme, algo que se confirma em "Tudo Acontece em Elizabethtown".
Para obra de um bom roteirista, "Elizabethtown" não traz lá muita coerência, personagens sólidos ou diálogos inspirados. Talvez Crowe esteja tentado se afastar desses cânones, uma vez que parece se aproximar mais de uma viagem interior do que da típica jornada de um herói. O resultado final, no entanto, é uma inconsistente mistura de dois formatos que jamais formam uma unidade.
De um lado, Crowe obedece à estrutura clássica e organiza a história para que o espectador se identifique com o personagem central, o "designer" de tênis Drew Baylor (Orlando Bloom).
Por outro lado, também joga "impressões de viagem" de um jovem em crise, vivendo um luto não só pela morte do pai mas também pela morte de um pedaço de sua vida, que se espatifou com o retumbante fracasso profissional que dá partida à trama. Talvez isso explique o ar etéreo -e mal resolvido- da aeromoça vivida por Kirsten Dunst, que, antes de ser uma personagem de carne e osso, é uma aparição angelical que surge nas horas certas.
Esse dilema entre a narrativa clássica e o filme impressionista não chega a ser resolvido por Crowe. Por quase dois terços de sua projeção, "Tudo Acontece em Elizabethtown" é absolutamente enfadonho em sua falta de rumo e na ausência quase total de ação.
As coisas começam a tomar contornos mais interessantes a partir do momento em que algo acontece de fato -a cerimônia de despedida do pai de Drew. Talvez não seja coincidência que o filme cresça quando ganha destaque a personagem de Susan Sarandon. A entrada de uma atriz de verdade só faz esmaecer mais os protagonistas, que em vários momentos parecem estar numa versão do desenho da Barbie e do Kent.
Após a cerimônia, acompanhado das cinzas do pai, Drew empreenderá uma viagem redentora por Kentucky, inspirado no mapa em formato de diário adolescente que a aeromoça-anjo lhe prepara. Nesse momento, Crowe exercita o que de fato gosta, que é arrumar um jeito de encaixar suas músicas preferidas. Drew pisa no acelerador, o volume da música sobe, e a câmera se volta para a paisagem. E o filme arranca alguns suspiros, sem que tenha se justificado.


Tudo Acontece em Elizabethtown
Elizabethtown
  
Direção: Cameron Crowe
Produção: EUA, 2005
Com: Orlando Bloom, Kirsten Dunst
Quando: a partir de hoje nos cines Interlagos, Shopping D e circuito


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