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Crítica/"Salzburg"
CD evidencia bom gosto dos pianos de Freire e Argerich
Álbum é registro da apresentação do pianista brasileiro e da portenha em Salzburgo
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ainda falta mais de um
mês para o Natal, mas o
melhor presente para
fãs de piano parece já ter chegado às lojas: o mais recente disco
de Nelson Freire, dessa vez em
duo com Martha Argerich.
Não é muito comum ter um
brasileiro como atração do badalado festival de verão que
acontece anualmente em Salzburgo. Pois bem: o pianista mineiro de 65 anos esteve na cidade austríaca em agosto deste
ano, para tocar com a vulcânica
pianista portenha de 68 anos.
Também estavam presentes
os engenheiros de som da mais
prestigiosa gravadora clássica,
a Deutsche Grammophon, que
rapidamente transformou a
histórica ocasião em CD.
Argerich já era uma artista de
destaque -estava prestes a gravar seu álbum de estreia pela
Grammophon- e já falava um
pouco de português -era amiga do pianista Luís Eça- quando, no final dos anos 1950, na
Europa, conheceu um ainda
adolescente Nelson Freire.
O duo se apresentou em público pela primeira vez em Londres, em 1968, mas levou tempo
para vingar. Só 12 anos mais
tarde voltaram a tocar juntos,
engatando uma bem-sucedida
série de concertos e gravações.
Rachmaninov
O recital de Salzburgo traz
três peças do repertório que
eles apresentaram por aqui, em
2004: "Variações sobre um Tema de Haydn", de Brahms;
"Rondó D. 951", de Schubert; e
"La Valse", de Ravel.
A diferença está na obra de
Rachmaninov que completa o
programa. Se no Brasil eles executaram a "Suíte nº 2", na Áustria preferiram fazer as "Danças Sinfônicas", monumental
peça em três movimentos que,
com mais de meia hora de duração, é a mais longa do disco.
E talvez seja a mais impactante, do ponto de vista de
grandiosidade sonora, virtuosidade e colorido pianístico.
Freire e Argerich se esbaldam
no idioma romântico tardio de
Rachmaninov, com seus ritmos
enérgicos alternados com grandes linhas melódicas sustentadas e nostálgicas, que funcionam como uma espécie de sumário da obra do compositor
russo -escritas em 1940, constituem sua derradeira criação.
No resto do programa, quem
ficou encantado com as apresentações do duo no Brasil não
vai se decepcionar com o disco.
A maioria das obras aqui representadas são mais conhecidas
em versão para orquestra, mas
a paleta sonora de Argerich e
Freire é tão caleidoscópica e
variada que não sentimos falta
dos outros instrumentos -e
ainda dá vontade de pedir bis
depois da eletrizante execução
de "La Valse" que encerra o CD.
Há brilho e fogos de artifício
por toda a parte, mas isso não
exclui momentos de introspecção e fineza. Como no "Rondó"
de Schubert, tocado a quatro
mãos, ou nas "Variações sobre
um Tema de Haydn", de
Brahms, que abre o programa.
Estreada pelo próprio compositor, em 1873, em parceria
com seu amor platônico, Clara
Schumann, a obra é uma homenagem à música do século 18,
constituindo um dos mais sublimes exemplos de música de
câmara da literatura para dois
pianos. É com ela que o diálogo
musical entre Argerich e Freire
atinge a culminância do refinamento, com escolhas de fraseado e dinâmica que evidenciam
o extremo de bom gosto e maturidade a que chegaram ambos os artistas.
SALZBURG
Artista: Martha Argerich/Nelson
Freire
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 29 (em média)
Avaliação: ótimo
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