São Paulo, quarta-feira, 04 de novembro de 2009

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Crítica/"Salzburg"

CD evidencia bom gosto dos pianos de Freire e Argerich

Álbum é registro da apresentação do pianista brasileiro e da portenha em Salzburgo

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ainda falta mais de um mês para o Natal, mas o melhor presente para fãs de piano parece já ter chegado às lojas: o mais recente disco de Nelson Freire, dessa vez em duo com Martha Argerich.
Não é muito comum ter um brasileiro como atração do badalado festival de verão que acontece anualmente em Salzburgo. Pois bem: o pianista mineiro de 65 anos esteve na cidade austríaca em agosto deste ano, para tocar com a vulcânica pianista portenha de 68 anos.
Também estavam presentes os engenheiros de som da mais prestigiosa gravadora clássica, a Deutsche Grammophon, que rapidamente transformou a histórica ocasião em CD.
Argerich já era uma artista de destaque -estava prestes a gravar seu álbum de estreia pela Grammophon- e já falava um pouco de português -era amiga do pianista Luís Eça- quando, no final dos anos 1950, na Europa, conheceu um ainda adolescente Nelson Freire.
O duo se apresentou em público pela primeira vez em Londres, em 1968, mas levou tempo para vingar. Só 12 anos mais tarde voltaram a tocar juntos, engatando uma bem-sucedida série de concertos e gravações.

Rachmaninov
O recital de Salzburgo traz três peças do repertório que eles apresentaram por aqui, em 2004: "Variações sobre um Tema de Haydn", de Brahms; "Rondó D. 951", de Schubert; e "La Valse", de Ravel.
A diferença está na obra de Rachmaninov que completa o programa. Se no Brasil eles executaram a "Suíte nº 2", na Áustria preferiram fazer as "Danças Sinfônicas", monumental peça em três movimentos que, com mais de meia hora de duração, é a mais longa do disco.
E talvez seja a mais impactante, do ponto de vista de grandiosidade sonora, virtuosidade e colorido pianístico.
Freire e Argerich se esbaldam no idioma romântico tardio de Rachmaninov, com seus ritmos enérgicos alternados com grandes linhas melódicas sustentadas e nostálgicas, que funcionam como uma espécie de sumário da obra do compositor russo -escritas em 1940, constituem sua derradeira criação.
No resto do programa, quem ficou encantado com as apresentações do duo no Brasil não vai se decepcionar com o disco.
A maioria das obras aqui representadas são mais conhecidas em versão para orquestra, mas a paleta sonora de Argerich e Freire é tão caleidoscópica e variada que não sentimos falta dos outros instrumentos -e ainda dá vontade de pedir bis depois da eletrizante execução de "La Valse" que encerra o CD.
Há brilho e fogos de artifício por toda a parte, mas isso não exclui momentos de introspecção e fineza. Como no "Rondó" de Schubert, tocado a quatro mãos, ou nas "Variações sobre um Tema de Haydn", de Brahms, que abre o programa.
Estreada pelo próprio compositor, em 1873, em parceria com seu amor platônico, Clara Schumann, a obra é uma homenagem à música do século 18, constituindo um dos mais sublimes exemplos de música de câmara da literatura para dois pianos. É com ela que o diálogo musical entre Argerich e Freire atinge a culminância do refinamento, com escolhas de fraseado e dinâmica que evidenciam o extremo de bom gosto e maturidade a que chegaram ambos os artistas.


SALZBURG

Artista: Martha Argerich/Nelson Freire
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 29 (em média)
Avaliação: ótimo




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