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"PAISAGEM ZERO"
Instalação faz elogio à neutralidade do espaço
GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA
Quem visitou a área de convivência do Sesc Pompéia no
último fim de semana pôde experenciar ricas possibilidades contidas naquele espaço. Diversas atividades incidentais de música,
dança e brincadeiras contracenavam com a remontagem da "cobra grande" e "piscinas-sementes" -que continuam abertas à
visitação até 6/12-, de uma exposição montada por Lina Bo Bardi
em 1985. Além disso, podia-se caminhar livremente descalço pelo
"riacho" do salão e atravessar um
penetrável de Hélio Oiticica.
Trata-se da Experiência 1 da
mostra "Paisagem Zero", concebida com a intenção de retratar a
cultura do Nordeste sem recair
em estigmas ou estereótipos folclóricos, apresentando-a como
um mosaico multicultural.
Mas há algo que complexifica a
conceituação da mostra e obriga a
discuti-la para além da ocasionalidade de um evento que combina
performances interessantes a um
relativismo de fundo: a eleição de
Lina e Hélio como "padrinhos".
Tendo procurado a diluição dos
limites entre arte e vida, os trabalhos da arquiteta e do artista
anunciariam uma permeabilidade que é identificada aos processos de criação nordestinos. Assim, captado a partir de uma vocação pós-moderna, o Nordeste é
transformado em território simbólico, lugar-desejo, "mistureba
de espaços e idéias" apresentadas
como um "diálogo possível".
Mas o que estaria contido nesse
elogio polifônico de uma cultura
aberta? A neutralidade do espaço:
"paisagem zero", reforçada ainda
no subtítulo da exposição: "O
Nordeste é todo lugar", existindo,
portanto, dentro de cada um.
O assunto tratado é um tema caro à reflexão de Lina Bardi, que
concebeu em 1963 a exposição
"Civilização do Nordeste". Mas
sua abordagem move-se em outra
direção. Já na década de 60, a arquiteta atentava para os riscos do
vale-tudo associativo, que reduzia
tudo a uma celebração das diferenças, inócua e esteticista.
Por isso aborda o Nordeste como Civilização, e sua cultura como manifestação da necessidade,
uma contribuição indigesta, produzida por homens que resistem
a serem "demitidos" do mundo.
Seu olhar para essa cultura coincide com a percepção de que a arte industrial no Brasil assentava-se sobre o vazio, e que não representava aquela imaginada força
regeneradora da sociedade. É
proposta uma territorialização
entre cultura do Nordeste e centros industriais que se define como acusação, a partir de um ponto de vista crítico que não se deixa
dissolver pelo lirismo lúdico.
Mas até mesmo em um relativismo total poderia-se estimular
pesquisas em que o Nordeste pudesse ser mapeado em São Paulo.
Um indício é a estréia de "Os Sertões", no teatro Oficina, em que
um mito fundador da nação encarna a resistência territorial do
teatro, projetado por Lina, contra
o shopping de Silvio Santos.
Escapar da neutralidade seria
também fugir ao elogio automático da diversidade cultural e poder
discutir com Glauber Rocha, em
sua refutação à sentença clássica
de Euclydes da Cunha: "O sertanejo é antes de tudo um forte".
Nas palavras do cineasta, não. É
um servo da mais primitiva condição, um fraco, um passivo.
Paisagem Zero
Curadoria: Ricardo Muniz e Silvana
Meireles
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, São
Paulo, tel. 0/xx/11/3871-7700)
Quando: instalação cenográfica, de ter.
a sáb., das 10h às 20h30; dom., até
19h30. Até 6/12. Dias 25 e 26 de janeiro,
no Marco Zero, no cais do porto de Recife
Quanto: entrada franca
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