São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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"PAISAGEM ZERO"

Instalação faz elogio à neutralidade do espaço

GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA

Quem visitou a área de convivência do Sesc Pompéia no último fim de semana pôde experenciar ricas possibilidades contidas naquele espaço. Diversas atividades incidentais de música, dança e brincadeiras contracenavam com a remontagem da "cobra grande" e "piscinas-sementes" -que continuam abertas à visitação até 6/12-, de uma exposição montada por Lina Bo Bardi em 1985. Além disso, podia-se caminhar livremente descalço pelo "riacho" do salão e atravessar um penetrável de Hélio Oiticica.
Trata-se da Experiência 1 da mostra "Paisagem Zero", concebida com a intenção de retratar a cultura do Nordeste sem recair em estigmas ou estereótipos folclóricos, apresentando-a como um mosaico multicultural.
Mas há algo que complexifica a conceituação da mostra e obriga a discuti-la para além da ocasionalidade de um evento que combina performances interessantes a um relativismo de fundo: a eleição de Lina e Hélio como "padrinhos".
Tendo procurado a diluição dos limites entre arte e vida, os trabalhos da arquiteta e do artista anunciariam uma permeabilidade que é identificada aos processos de criação nordestinos. Assim, captado a partir de uma vocação pós-moderna, o Nordeste é transformado em território simbólico, lugar-desejo, "mistureba de espaços e idéias" apresentadas como um "diálogo possível".
Mas o que estaria contido nesse elogio polifônico de uma cultura aberta? A neutralidade do espaço: "paisagem zero", reforçada ainda no subtítulo da exposição: "O Nordeste é todo lugar", existindo, portanto, dentro de cada um.
O assunto tratado é um tema caro à reflexão de Lina Bardi, que concebeu em 1963 a exposição "Civilização do Nordeste". Mas sua abordagem move-se em outra direção. Já na década de 60, a arquiteta atentava para os riscos do vale-tudo associativo, que reduzia tudo a uma celebração das diferenças, inócua e esteticista.
Por isso aborda o Nordeste como Civilização, e sua cultura como manifestação da necessidade, uma contribuição indigesta, produzida por homens que resistem a serem "demitidos" do mundo.
Seu olhar para essa cultura coincide com a percepção de que a arte industrial no Brasil assentava-se sobre o vazio, e que não representava aquela imaginada força regeneradora da sociedade. É proposta uma territorialização entre cultura do Nordeste e centros industriais que se define como acusação, a partir de um ponto de vista crítico que não se deixa dissolver pelo lirismo lúdico.
Mas até mesmo em um relativismo total poderia-se estimular pesquisas em que o Nordeste pudesse ser mapeado em São Paulo. Um indício é a estréia de "Os Sertões", no teatro Oficina, em que um mito fundador da nação encarna a resistência territorial do teatro, projetado por Lina, contra o shopping de Silvio Santos.
Escapar da neutralidade seria também fugir ao elogio automático da diversidade cultural e poder discutir com Glauber Rocha, em sua refutação à sentença clássica de Euclydes da Cunha: "O sertanejo é antes de tudo um forte". Nas palavras do cineasta, não. É um servo da mais primitiva condição, um fraco, um passivo.

Paisagem Zero



  
Curadoria: Ricardo Muniz e Silvana Meireles
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, São Paulo, tel. 0/xx/11/3871-7700)
Quando: instalação cenográfica, de ter. a sáb., das 10h às 20h30; dom., até 19h30. Até 6/12. Dias 25 e 26 de janeiro, no Marco Zero, no cais do porto de Recife
Quanto: entrada franca



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