São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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TELEVISÃO

Emissora terá espaço na programação para trabalhos de afiliadas; projeto de regionalização deve ser votado hoje

Globo abre laboratório para produção local

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Está em gestação desde agosto, na TV Globo, o primeiro projeto de nacionalização da ainda incipiente programação regional brasileira, que tende a se fortalecer com a provável aprovação, no Congresso Nacional, de lei que cria cota para programas locais nas emissoras de todo o país.
Um dos projetos sobre o tema, apresentado em 1991 pela deputada federal Jandira Feghalli (PC do B-RJ), deve ser votado hoje na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.
Orientadas por Guel Arraes (diretor de núcleo da TV Globo), pela apresentadora Regina Casé e pelo antropólogo Hermano Vianna, equipes de mais de uma centena de exibidoras da Globo em todo o país já discutem idéias que devem aparecer na tela em abril, na hipótese mais provável, em um novo programa em rede nacional, às quartas, após o futebol.
A produção dessa "rede de colaboradores", no entanto, poderá ter outros formatos, de quadros no infantil de Xuxa a até mesmo programas regionais. A seguir, trechos de entrevista em que Hermano Vianna, 42, explica os conceitos do novo projeto.

Folha - Como é o novo programa?
Hermano Vianna
- É bom deixar claro que não é só um projeto de um programa para 2003. É bem mais amplo, bem mais ambicioso.

Folha - O de regionalização?
Vianna
- Sim. É de criar equipes em todos os lugares, ter uma rede de colaboração de criação que seja capaz de alimentar a grade da Globo como um todo, de oferecer reportagens ou idéias para todos os programas. A gente pretende criar um selo para que, cada vez que algum produto dessa rede seja exibido, haja uma marca, para identificá-lo. Seria bom, mas ainda é uma idéia embrionária -e não vai acontecer necessariamente assim- ter um programa-base no ano que vem, em que as coisas seriam experimentadas.

Folha - Isso tem a ver com os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que criam cotas de programação regional?
Vianna
- Não tem a ver. A gente tem esse projeto desde o final do "Programa Legal" (em 1992). Viajando pelo "Programa Legal", a gente entrava em contato com as afiliadas e sentia que havia capacidade de produção e de pessoas muito criativas e interessadas, e que isso não estava representado na grade nacional. A gente queria criar formas novas de colaboração com essas equipes.
Isso foi evoluindo e, há cinco anos, eu, Guel [Arraes] e Regina [Casé] começamos a nos reunir pensando no que iríamos fazer na televisão. Porque, num determinado momento, parecia que o nosso grupo seria jogado nesse nicho de TV de qualidade da TV paga. E acabei fazendo isso [documentários para TVE e MTV].
Essa é uma posição confortável. Você consegue produzir. Mas num determinado momento você pergunta: quem está vendo isso [no cabo]? E eu via que a maior parte das coisas tem uma repercussão mínima, que são vistas por pessoas que já conhecem aquilo.

Folha - E esse projeto é a retomada disso tudo, agora na TV aberta?
Vianna
- Nós temos um compromisso com a TV aberta, por gostarmos de televisão e por estarmos interessados em dialogar com as coisas que estão na TV aberta e de expor as nossas idéias para o grande público. Fazendo "Música do Brasil" (MTV, 2000), fomos aos lugares mais pobres do país, a casas de palafitas, em mangues, e a televisão estava presente. Hoje a maioria absolutíssima da população tem televisão no Brasil.

Folha - A TV mudou muito.
Vianna
- Sim. Isso é um desafio. Praticamente, dos anos 80 para 2000, dobrou o número de pessoas com televisão no Brasil. Então, 50% do Brasil começou a ver televisão. E que televisão esse 50% quer ver? Acho que a gente está vivendo o início desse processo. Não acredito que a TV baixou de qualidade por causa de novo público. Esses produtos que fizeram sucesso refletem na verdade o que as pessoas encontraram no ar. Mas não é necessariamente o que as pessoas querem ver. E a gente está pensando nisso, numa TV popular de qualidade. E isso está ligado à regionalização. A TV no Brasil é extremamente centralizada, o que as pessoas ouvem no país é praticamente apenas o sotaque do Rio e de São Paulo.

Folha - E há saída para a TV aberta popular de qualidade no Brasil?
Vianna
- Acho que sim, acho que isso é totalmente possível.

Folha - Esse novo projeto é isso?
Vianna
- É uma vontade de fazer isso, de discutir isso, de que a televisão também possa discutir televisão, a maneira como a televisão é feita no Brasil. E a gente está começando essas coisas a partir da regionalização, de ter muitos olhares, muitos sotaques diferentes. A novidade desse processo não é um novo programa, não é o tema, é o modo de fazer.

Folha - Voltando à lei da programação regional...
Vianna
- Eu acho essa lei muito interessante, mas estamos pensando um pouco além dela. A lei pensa a produção regional para as regiões. Isso é bom, mas trocar essas informações é mais interessante porque essas produções não ficam só em suas regiões. É nacionalizar o regional, fazer circular por todo o Brasil.

Folha - Esse projeto não tem cara de "Brasil Legal" reformulado?
Vianna
- Não. Antes, era uma equipe carioca que viajava pelo Brasil. Agora, a gente quer inverter esse caminho. E essas equipes não falarão só de suas aldeias. Queremos que a equipe do Rio Grande do Norte também fale do Rio Grande do Sul.

Folha - Em que pé está o projeto atualmente?
Vianna
- Começamos em agosto, com uma videoconferência, aberta pela Marluce [Dias da Silva, diretora-geral da Globo, afastada para tratamento médico], em que pedíamos projetos para todas as afiliadas. Em um site interno, criamos um fórum para discutir idéias. O pessoal começou a mandar material, sugestões de apresentadores, de equipes que estavam formando, de pautas. A gente não sabia, e ainda não sabe, o que vamos produzir disso. Vai depender do que recebermos. Em cada lugar é uma realidade diferente. Pedimos também para as afiliadas indicarem produtoras independentes, que são importantes para o projeto, e universidades de comunicação.

Folha - O que as universidades poderiam fazer nesse projeto? Vianna - Eu ainda não sei. Acho que seria interessante alunos formarem grupos de produção.


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