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TELEVISÃO
Emissora terá espaço na programação para trabalhos de afiliadas; projeto de regionalização deve ser votado hoje
Globo abre laboratório para produção local
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Está em gestação desde agosto,
na TV Globo, o primeiro projeto
de nacionalização da ainda incipiente programação regional brasileira, que tende a se fortalecer
com a provável aprovação, no
Congresso Nacional, de lei que
cria cota para programas locais
nas emissoras de todo o país.
Um dos projetos sobre o tema,
apresentado em 1991 pela deputada federal Jandira Feghalli (PC do
B-RJ), deve ser votado hoje na Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática da
Câmara dos Deputados.
Orientadas por Guel Arraes (diretor de núcleo da TV Globo), pela apresentadora Regina Casé e
pelo antropólogo Hermano Vianna, equipes de mais de uma centena de exibidoras da Globo em todo o país já discutem idéias que
devem aparecer na tela em abril,
na hipótese mais provável, em um
novo programa em rede nacional,
às quartas, após o futebol.
A produção dessa "rede de colaboradores", no entanto, poderá
ter outros formatos, de quadros
no infantil de Xuxa a até mesmo
programas regionais. A seguir,
trechos de entrevista em que Hermano Vianna, 42, explica os conceitos do novo projeto.
Folha - Como é o novo programa?
Hermano Vianna - É bom deixar
claro que não é só um projeto de
um programa para 2003. É bem
mais amplo, bem mais ambicioso.
Folha - O de regionalização?
Vianna - Sim. É de criar equipes
em todos os lugares, ter uma rede
de colaboração de criação que seja capaz de alimentar a grade da
Globo como um todo, de oferecer
reportagens ou idéias para todos
os programas. A gente pretende
criar um selo para que, cada vez
que algum produto dessa rede seja exibido, haja uma marca, para
identificá-lo. Seria bom, mas ainda é uma idéia embrionária -e
não vai acontecer necessariamente assim- ter um programa-base
no ano que vem, em que as coisas
seriam experimentadas.
Folha - Isso tem a ver com os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que criam cotas de
programação regional?
Vianna - Não tem a ver. A gente
tem esse projeto desde o final do
"Programa Legal" (em 1992). Viajando pelo "Programa Legal", a
gente entrava em contato com as
afiliadas e sentia que havia capacidade de produção e de pessoas
muito criativas e interessadas, e
que isso não estava representado
na grade nacional. A gente queria
criar formas novas de colaboração com essas equipes.
Isso foi evoluindo e, há cinco
anos, eu, Guel [Arraes] e Regina
[Casé] começamos a nos reunir
pensando no que iríamos fazer na
televisão. Porque, num determinado momento, parecia que o
nosso grupo seria jogado nesse
nicho de TV de qualidade da TV
paga. E acabei fazendo isso [documentários para TVE e MTV].
Essa é uma posição confortável.
Você consegue produzir. Mas
num determinado momento você
pergunta: quem está vendo isso
[no cabo]? E eu via que a maior
parte das coisas tem uma repercussão mínima, que são vistas por
pessoas que já conhecem aquilo.
Folha - E esse projeto é a retomada disso tudo, agora na TV aberta?
Vianna - Nós temos um compromisso com a TV aberta, por
gostarmos de televisão e por estarmos interessados em dialogar
com as coisas que estão na TV
aberta e de expor as nossas idéias
para o grande público. Fazendo
"Música do Brasil" (MTV, 2000),
fomos aos lugares mais pobres do
país, a casas de palafitas, em mangues, e a televisão estava presente.
Hoje a maioria absolutíssima da
população tem televisão no Brasil.
Folha - A TV mudou muito.
Vianna - Sim. Isso é um desafio.
Praticamente, dos anos 80 para
2000, dobrou o número de pessoas com televisão no Brasil. Então, 50% do Brasil começou a ver
televisão. E que televisão esse 50%
quer ver? Acho que a gente está vivendo o início desse processo.
Não acredito que a TV baixou de
qualidade por causa de novo público. Esses produtos que fizeram
sucesso refletem na verdade o que
as pessoas encontraram no ar.
Mas não é necessariamente o que
as pessoas querem ver. E a gente
está pensando nisso, numa TV
popular de qualidade. E isso está
ligado à regionalização. A TV no
Brasil é extremamente centralizada, o que as pessoas ouvem no
país é praticamente apenas o sotaque do Rio e de São Paulo.
Folha - E há saída para a TV aberta popular de qualidade no Brasil?
Vianna - Acho que sim, acho que
isso é totalmente possível.
Folha - Esse novo projeto é isso?
Vianna - É uma vontade de fazer
isso, de discutir isso, de que a televisão também possa discutir televisão, a maneira como a televisão
é feita no Brasil. E a gente está começando essas coisas a partir da
regionalização, de ter muitos
olhares, muitos sotaques diferentes. A novidade desse processo
não é um novo programa, não é o
tema, é o modo de fazer.
Folha - Voltando à lei da programação regional...
Vianna - Eu acho essa lei muito
interessante, mas estamos pensando um pouco além dela. A lei
pensa a produção regional para as
regiões. Isso é bom, mas trocar essas informações é mais interessante porque essas produções não
ficam só em suas regiões. É nacionalizar o regional, fazer circular
por todo o Brasil.
Folha - Esse projeto não tem cara
de "Brasil Legal" reformulado?
Vianna - Não. Antes, era uma
equipe carioca que viajava pelo
Brasil. Agora, a gente quer inverter esse caminho. E essas equipes
não falarão só de suas aldeias.
Queremos que a equipe do Rio
Grande do Norte também fale do
Rio Grande do Sul.
Folha - Em que pé está o projeto
atualmente?
Vianna - Começamos em agosto, com uma videoconferência,
aberta pela Marluce [Dias da Silva, diretora-geral da Globo, afastada para tratamento médico],
em que pedíamos projetos para
todas as afiliadas. Em um site interno, criamos um fórum para
discutir idéias. O pessoal começou a mandar material, sugestões
de apresentadores, de equipes
que estavam formando, de pautas. A gente não sabia, e ainda não
sabe, o que vamos produzir disso.
Vai depender do que recebermos.
Em cada lugar é uma realidade diferente. Pedimos também para as
afiliadas indicarem produtoras
independentes, que são importantes para o projeto, e universidades de comunicação.
Folha - O que as universidades
poderiam fazer nesse projeto?
Vianna - Eu ainda não sei. Acho
que seria interessante alunos formarem grupos de produção.
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