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GUILHERME WISNIK
Imitação da imitação
Novos shoppings nos EUA
se assemelham a centros históricos, que, por sua vez, imitam os antigos shoppings
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DEPOIS de cinco décadas de
existência, o shopping center
passa, nos Estados Unidos,
por uma crise de identidade. Nos últimos três anos, proliferam novos
centros de comércio e lazer que procuram recriar uma ambiência de cidade: são os chamados "lifestyle
centers". Em tempos de progressiva
conscientização ecológica e nostalgia dos espaços públicos, esses novos "malls" renegam a artificialidade dos caixotes enclausurados (com
sua iluminação artificial, ar-condicionado, escadas rolantes, estacionamentos segregados) em nome de
uma experiência de fruição ao ar livre, por meio de espaços cuja atmosfera informal convida o visitante
(consumidor) a permanecer por
mais tempo no local.
Localizados em áreas suburbanas,
os "lifestyle centers" são como oásis
no meio do deserto, ilhas acessíveis
apenas por automóvel. Uma vez
franqueado o seu portal de entrada,
a partir da auto-estrada, abre-se um
espaço formado por ruas tradicionais, pequenas praças com mesas
dispostas casualmente e música ao
vivo, árvores (muitas vezes de plástico) e edifícios baixos com lojas no
térreo e apartamentos para moradia
e escritórios logo acima. Algumas
calçadas são cobertas por pérgolas
com trepadeiras, os "passeios" têm
arcadas imitando as cidades italianas, e o motorista deve procurar
uma vaga para o carro ao longo dos
meios-fios. Coerentemente, a propaganda de um desses centros diz o
seguinte: "lugar agradável e vibrante, onde a comunidade toma forma,
e a vida pública acontece".
É significativo que essa "fome"
por espaços públicos só consiga realizar-se através de espaços privados,
onde o cidadão é, por definição, um
sujeito consumidor. Outra ironia é o
fato de esses shoppings, em segundo
grau, seguirem à risca a cartilha do
pensamento urbanístico recente,
que elaborou as críticas mais ácidas
à cidade das vias expressas dominada por edifícios comerciais.
Isto é, reconstituem espaços baseados na proximidade, na vizinhança, e na escala do pedestre, qualificados pela diversidade tipológica
e pelo uso misto (comércio, serviços,
escritório e moradia). É preciso reconhecer que tais lugares são, provavelmente, mais agradáveis do que
os corredores de shoppings tradicionais, emboras expostos à imponderabilidade da natureza (sol, chuva,
frio etc). Mas de que serve esse cenário de diversidade quando apartado
da energia vital verdadeiramente
urbana?
Quer dizer, enquanto o consumo
massificado se dirige progressivamente para os "megamalls", o consumo de "qualidade" (associado ao
lazer e à cultura) busca formas alternativas em lugares que se assemelham aos centros históricos de cidades antigas, hoje tomadas pelo turismo. Na forma de um espelhamento
vertiginoso, os novos shoppings imitam os centros urbanos que, por sua
vez, já se tornaram imitações de
shoppings.
Simulacro em "looping" que revela uma total perda de referente para
as formas urbana e arquitetônica, a
indicar uma colonização (talvez definitiva) do imaginário pelo universo movente do consumo e da mercadoria.
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