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CECILIA GIANNETTI
As "casualidades" que o PAC não vê
O esquema de segurança que garantiu a paz durante a visita presidencial foi só uma pausa no bangue-bangue carioca
NO MEU bloquinho, único tipo
de notebook que se pode levar à rua aqui sem medo de
que seja roubado, eu tinha anotado a
lápis uma crônica sobre a etiqueta
do consumidor -ou a ausência dela- em meio ao desvario das compras de dezembro. Mas essa história
ficará para um outro dia. Porque, já
em casa, antes de começar a batucá-la, copiando do bloco para o computador, decidi conferir na internet as
últimas notícias do fim de semana.
E eis que, dois dias após a passagem de Luiz Inácio Lula da Silva pelo morro do Cantagalo, no Rio, crimes na cidade já eram novamente o
destaque nas chamadas páginas policiais. Difícil não lê-las, mais difícil
ainda não bater na mesma tecla. E lá
vamos nós.
O forte esquema de segurança armado para garantir a paz durante a
visita do presidente significou apenas uma pausa bem curta no bangue-bangue carioca. Da mesma maneira que a megaoperação da polícia
no Complexo do Alemão -que, em
junho passado, deixou 19 mortos-
representou mais um capítulo na saga de "pacificação" dos morros controlados pelo tráfico. No entanto, a
tal história do bolo que não pode ser
feito sem que alguns ovos sejam
quebrados, como ensina a atual cartilha da cúpula de segurança, não
combina com as promessas que Lula fez às comunidades carentes ao
inaugurar as obras do Programa de
Aceleração do Crescimento nas
favelas.
Tanto a "limpeza" rasteira no
morro, feita para receber no Rio o
presidente, quanto o massacre no
Alemão estão em descompasso com
as intenções anunciadas pelo companheiro na cerimônia do PAC, no
Cantagalo. Afinal, entre as "casualidades" das operações policiais nessas comunidades carentes, boa parte tem sido, comprovadamente, moradores sem envolvimento com o
tráfico. Justamente as pessoas a
quem Lula se dirigiu ao falar do
programa.
As mesmas favelas a que foram
prometidos os milhões do PAC -ou
o que sobrar da verba após as deduções de praxe feitas pelos corruptos- são as que têm perdido inocentes em operações policiais agressivas. Segundo o Instituto Brasileiro
de Pesquisa Social aponta em estudo divulgado na última semana, os
métodos utilizados nas ações policiais em favelas -que resultam em
muitos ovos quebrados- contam
com o apoio de 69% dos cariocas entrevistados. Onde exatamente moram os entrevistados? Nas comunidades onde ocorrem as operações?
Nas manchetes do fim de semana,
tragédias do asfalto. Em Botafogo,
próximo a um grande shopping, um
padre dirigia um carro que foi metralhado por dois assaltantes e levou
um tiro no braço. Uma missionária
que viajava no banco do carona foi
baleada na cabeça e morreu. Num
clube do Alto Leblon, um menino de
12 anos foi atingido, também na cabeça, por bala perdida enquanto jogava bola com os amigos.
Como o presidente mesmo notou
em seu discurso, não é normal que o
Rio de Janeiro apareça na imprensa
nas páginas policiais. Exceto que nada é mais normal, hoje, que o Rio viver (e morrer) nas páginas policiais.
Só não dá mais pra engolir.
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