São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008 |
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TRECHO Até mesmo o imperador sucumbia à fantasia. Rainhas flutuavam dentro de seus palácios como fantasmas, sultanas rajput e turcas brincando de pegador. Uma dessas personagens reais não existia de verdade. Era uma esposa imaginária, sonhada por Akbar do jeito que crianças solitárias sonham com amigos imaginários, e apesar da presença de muitas consortes vivas, embora flutuantes, o imperador acreditava que as esposas reais é que eram fantasmas e a amada não existente é que era real. Ele lhe deu um nome, Jodha, e nenhum homem ousava contradizer-lhe. (...) Enquanto você estava anestesiada para a tragédia de sua vida, você foi capaz de sobreviver. Quando a clareza lhe voltou, quando lhe foi cuidadosamente restaurada, podia ter deixado você louca. Sua memória redespertada podia enlouquecer você, a memória da humilhação, de tanta manipulação, de tantas intrusões, a memória dos homens. Não um palácio, mas um bordel de memórias, e por trás dessas memórias a certeza de que aqueles que amavam você estavam mortos, que não havia saída. Essa certeza podia fazer você se pôr em pé, se refazer e fugir. Se corresse depressa podia escapar de seu passado e da lembrança de tudo que tinha sido feito à você, e do futuro também, da inescapável desolação à frente. Haveria irmãos para resgatá-la? Não, seus irmãos estavam mortos. Talvez o próprio mundo estivesse morto. Extraído de "A Feiticeira de Florença", de Salman Rushdie Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Crítica/"A Feiticeira de Florença": Força da obra está no uso inventivo da necessidade básica de dizer palavras Índice |
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