São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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Crítica/"A Feiticeira de Florença"

Força da obra está no uso inventivo da necessidade básica de dizer palavras

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A inspiração mais óbvia de "A Feiticeira de Florença", de Salman Rushdie, é a estruturação cíclica das "Mil e Uma Noites", com suas labirínticas histórias dentro das histórias. Isso já foi feito por tanta gente que, a princípio, levaria de cara o livro ao esvaziamento. A questão é que não é esse uso de uma fonte batida que dá potência ao texto (e há outras, como a moralidade cruel dos contos de fadas ou vários dos volumes que constam na desnecessária bibliografia ao final das suas 404 páginas).
A força do enredo decorre de um uso inteligente e inventivo dessa necessidade tão básica de dizer palavras -aliás também fundamental nas "Mil e Uma Noites": "Na morte, assim como em vida, ele estaria cheio de palavras não ditas e elas seriam o seu Inferno, a atormentá-lo por toda a eternidade".
O desafio do escritor é que colocar as palavras para "fora", retirá-las do estado de "não dizer", não significa gastar palavras, já que uma das grandes armadilhas dessa envelhecida e incontornável forma de narrar, o romance, é exatamente dar a falsa impressão de que ele aceita tudo.
Transitando no século 16 entre o renascimento italiano de Maquiavel e o Oriente ficcionalizado do imperador Akbar, em meio a mulheres magicamente concebidas, duplicações e mentiras, Rushdie dá conta da tarefa. Ele não chega aqui aos ideais de leveza ou velocidade propostos por Calvino a que, declaradamente, vem buscando em sua produção, mas se aproxima: "Ele era um contador de histórias, tinha sido atraído para fora de sua porta por histórias de portentos, e por uma em particular, uma história que poderia fazer sua fortuna ou, talvez, custar-lhe a vida".


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) da USP

A FEITICEIRA DE FLORENÇA
Autor:
Salman Rushdie
Tradução: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 54 (404 págs.)
Avaliação: ótimo



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