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Crítica/"A Feiticeira de Florença"
Força da obra está no uso inventivo da necessidade básica de dizer palavras
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A inspiração mais óbvia
de "A Feiticeira de Florença", de Salman
Rushdie, é a estruturação cíclica das "Mil e Uma Noites", com
suas labirínticas histórias dentro das histórias. Isso já foi feito
por tanta gente que, a princípio,
levaria de cara o livro ao esvaziamento. A questão é que não é
esse uso de uma fonte batida
que dá potência ao texto (e há
outras, como a moralidade
cruel dos contos de fadas ou vários dos volumes que constam
na desnecessária bibliografia
ao final das suas 404 páginas).
A força do enredo decorre de
um uso inteligente e inventivo
dessa necessidade tão básica de
dizer palavras -aliás também
fundamental nas "Mil e Uma
Noites": "Na morte, assim como em vida, ele estaria cheio de
palavras não ditas e elas seriam
o seu Inferno, a atormentá-lo
por toda a eternidade".
O desafio do escritor é que
colocar as palavras para "fora",
retirá-las do estado de "não dizer", não significa gastar palavras, já que uma das grandes armadilhas dessa envelhecida e
incontornável forma de narrar,
o romance, é exatamente dar
a falsa impressão de que ele
aceita tudo.
Transitando no século 16 entre o renascimento italiano de
Maquiavel e o Oriente ficcionalizado do imperador Akbar, em
meio a mulheres magicamente
concebidas, duplicações e mentiras, Rushdie dá conta da tarefa. Ele não chega aqui aos ideais
de leveza ou velocidade propostos por Calvino a que, declaradamente, vem buscando em
sua produção, mas se aproxima: "Ele era um contador de
histórias, tinha sido atraído para fora de sua porta por histórias de portentos, e por uma em
particular, uma história que
poderia fazer sua fortuna ou,
talvez, custar-lhe a vida".
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) da USP
A FEITICEIRA DE FLORENÇA
Autor: Salman Rushdie
Tradução: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 54 (404 págs.)
Avaliação: ótimo
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