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CRÍTICA
"2046" persegue os mistérios do tempo e do amor
CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Já faz tanto tempo! Ou
quanto tempo falta? É sob o
signo do quando (foi ou será)
que o chinês Wong Kar-wai seduziu o público ocidental com
suas histórias de amor contemporâneas. "2046" é seu filme
mais complexo e pretensioso.
O resultado, mesmo imperfeito, não deixa de ser brilhante.
O título designa menos uma
data que uma série, o que implica não somente uma enumeração de fatos, mas, sobretudo, uma narração. Não à toa
o protagonista e narrador é um
escritor e jornalista. Por meio
dele se expressam os mistérios
desse tempo -sombras do
passado e fantasmagorias do
futuro. 2046 refere a um número de um quarto de hotel (onde
se passam os desencontros
amorosos neste filme e que já
abrigou um casal apaixonado
no anterior "Amor à Flor da
Pele"), mas não só. É também
um tempo-lugar no futuro, onde as demais marcas humanas
foram extintas e sobrou o amor
(ou sua ausência). Como data,
2046 marca um reencontro
amoroso e histórico: o ano em
que Hong Kong será definitivamente reintegrada à China.
Com o acúmulo de referências e de auto-referências, o filme padece, em certos momentos, de um efeito "pot-pourri"
da obra do diretor. O esteticismo de cada plano tende a tornar a emoção do conjunto um
tanto glacial. A ambição do
conjunto ultrapassa esses "defeitos". Pois trata-se aqui de um
projeto à altura de uma odisséia, um cinema com ambições
metafísicas, que mistura materiais e velocidades, enquadramentos e fusões com tal rigor
que só assim pareceria possível
ao diretor expressar sua visão.
O vigor de "2046" está na ousadia de retomar esse tema caro a uma certa modernidade. A
saber: o amor como paradigma
da experiência do tempo, com
seus momentos e intensidades
específicas e inqualificáveis,
que consistem em resistir e seduzir, conquistar e apaixonar,
cansar-se e abandonar. Por
meio do amor, Kar-wai (retomando uma possibilidade que
Alain Resnais parecia ter esgotado ainda nos anos 60) assume o risco de fazer um cinema
de indagação filosófica sem se
permitir cair na abstração.
2046 - Os Segredos do Amor
2046
Direção: Wong Kar-wai
Produção: China/França/
Alemanha/Hong Kong, 2004
Com: Tony Leung, Gong Li
Quando: a partir de amanhã nos cines HSBC, Frei Caneca e circuito
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